A decisão da Argentina de recuperar o controle da indústria do petróleo é um sinal de que a América Latina está preparada para reconquistar seus direitos em relação aos recursos naturais. Muitos vêem isso como um sinal de que os dias do neoliberalismo estão contados na região. A realidade é mais complicada.
Na primeira metade do século XX marcou o extrativismo de inserção da América Latina na economia global. A palavra extrativismo é um pouco imprecisa pois compreende a produção da indústria de mineração, assim como a produção agrícola da monocultura para exportação.
Extrativismo está associado a existência de enclaves, exploração no trabalho sem limites, violações dos direitos humanos, extermínio de grupos indígenas e de governos subordinados ao poder das corporações multinacionais. É um assunto de difícil resolução do qual é difícil de escapar. A estratégia de substituição de importações aplicada entre 1940 e 1980 foi projetada para escapar dessa armadilha. Mas a crise da dívida dos anos 80 permitiu impor o regime neoliberal e o extrativismo voltou com espíritos de vingança.
A onda de privatizações entregou o controle das industrias de mineração e de petróleo às multinacionais. A política fiscal restritiva e a retirada de apoio à agricultura familiar , juntamente a liberalização financeira comércial, permitiram o retorno da grande exploração agrícola de monocultura, ligadas a consórcios de grãos e sementes que controlam o mercado mundial .
O neoliberalismo levou a um desempenho econômico medíocre e repetidas crises. Tudo isso levou a grandes mudanças políticas. Em eleições livres e democráticas aconteceram as vitórias eleitorais de Hugo Chávez em 1999, Nestor Kirchner e Lula (ambos em 2003), Evo (2006) e Rafael Correa (2007).
Nesses países, o controle sobre os recursos naturais se converteu na mais alta prioridade, por ser fonte de receitas fiscais. O resgate foi apresentado como parte de um projeto nacionalista, a verdade é que ele também foi uma decisão pragmática que não passava pela expropriação. Não que o acesso à tecnologia tenha sido a principal barreira à entrada. As grandes empresas multinacionais possuiam os canais de comercialização e a maneira mais fácil era seguir uma estratégia adaptativa para renegociar os termos dos contratos e concessões, evitando confrontos com os EUA e alguns países europeus. Muito rapidamente se pode de captar assim uma fatia maior do excedente de exploração e dotação de recursos fiscais.
Não surpreende que os indicadores sobre a composição do PIB e das exportações continuem revelando a importância do setor primário- exportador nas economias de muitos destes países. É claro que no novo esquema os recursos fiscais permitiram aumentar os gastos em saúde, educação, habitação e infra-estrutura. Houve também uma política de recuperação dos salários e aumentou a cobertura e alcance dos programas de combate à pobreza. Isto deu legitimidade política e social para esses governos. Mas também pode ter causado um apoio ao neo-extrativismo e uma maior pressão para aumentar a produção e maximizar a aquisição de recursos.
Eventualmente, o fluxo de recursos fiscais do neo-extrativismo não é sustentável. Depende primeiro do ciclo em que estão associados com os altos preços de commodities. Decorrido esse ciclo ocorre a queda nos preços e diminuição das receitas fiscais. Além disso, o colapso ambiental também pode cortar drasticamente o fluxo de recursos. Assim, a mineração a céu aberto, a exploração madeireira e monocultura comercial em grande escala (Brasil e Argentina com a soja transgênica) já são exemplos de catástrofes ambientais.
Este processo está marcado por grandes contradições, todas relacionadas com as particularidades de cada país. Mas é justo dizer que apesar da retórica nacionalista, o neo-extrativismo não alterou a forma de inserção na economia global. Até certo ponto isso é normal e que o objetivo é parte de uma luta de longo prazo. Com exceção da Venezuela e em menor grau Argentina, não se tem contestado a estrutura macroeconômica do neoliberalismo. Por exemplo, o Equador tem sua economia dolarizada, o que coloca uma enorme pressão sobre os recursos naturais. Não surpreendentemente, apesar do compromisso de Correa para não explorar o petróleo em Yasuni, o governo incentiva grandes projetos de mineração.
Claro que, com todas as suas falhas, o processo de neo-extrativista nos governos mais progressistas é um avanço quando comparado com o que aconteceu no neoliberalismo. Basta olhar para o triste exemplo do México: também aqui persiste uma forma de extrativismo, porém o gasto social ainda está no chão e a violenta repressão contra as comunidades indígenas se intensifica.
Fonte: rebelio.org – Tradução e adaptação: Valdir Izidoro Silveira
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