terça-feira, 31 de dezembro de 2013

LEMBRANDO OS CINCO ANOS DA PERTURBAÇÃO ECONÔMICA



Quando mercados econômicos significativos dos EUA se descontrolaram durante o Verão e fins de 2008, um temor, mesmo um pânico, apossou-se dos encarregados de desenvolver e aplicar a política econômica. O pensamento prevalecente – capitalismo desenfreado com confiança quase religiosa em mecanismos de mercado – parecia estar em retirada irreversível.  
Há outras teorias da crise apresentadas pela esquerda. Uma teoria, defendida  por muitos Partidos Comunista, sustenta que a crise emerge da super-produção. Naturalmente, num sentido a super-acumulalação é uma espécie de super-produção, uma super-produção de capital a que falta um destino para investimento produtivo. Mas muitos à esquerda entendiam algo diferente. Eles argumentam que o capitalismo põe mais mercadorias no mercado do que trabalhadores empobrecidos, mal pagos, podem comprar. Há duas objeções a isto: uma teórica, uma ideológica.
Primeiro, a evidência mostra que uma queda no consumo ou um aumento na produção de fato não antecede o declínio econômico na nossa era. Se a super-produção ou o seu primo, o sub-consumo, fossem a causa da retração econômica de 2008, os dados necessariamente mostrariam algum desvio anterior dos padrões de produção/consumo. Mas não há nenhum. Ao invés, verifica-se o inverso: a própria crise provocou um fosso maciço entre a produção e o consumo, exacerbando-a. A ameaça de oferta excessiva prolonga-se na enorme pressão deflacionária que agita a economia global. Apesar do fato de o gasto do consumidor ser uma grande componente da economia dos EUA, os efeitos da sua estagnação secular ou declínio têm sido em grande medida atenuados pela expansão do crédito ao consumidor e a existência, embora tênue, de programas de bem-estar social como o seguro de desemprego.
Segundo, se consumo retardado ou inadequado fosse a causa de crises, então políticas redistributivas ou políticas fiscais proporcionariam uma solução simples para retrações, ambas impedem-nas e revertem-nas. Portanto, o capitalismo podia avançar no seu alegre carrossel com pouco temor de crise. Certamente esta é a atração ideológica de explicações de crises pela super-produção: elas permitem a liberais e sociais- democratas apregoar sua capacidade para administrar o capitalismo através de políticas governamentais.
Contudo, eles não podem administrar o capitalismo porque as crises estão localizadas não na arena da circulação (compatibilizando produção e consumo), mas sim no mecanismo gerador de lucro do capitalismo, a sua própria alma.
Devido à centralidade do lucro, a explicação da super-acumulação tem uma afinidade com outra teoria da crise: o argumento de Marx para a tendência de queda da taxa de lucro. De fato, pode ser encarada como uma versão contemporânea do argumento sem as suposições do século XIX.
Felizmente, muitos comentadores de hoje revisitaram a teoria esboçada no Volume III de O Capital, descobrindo uma relevância ignorada ao longo da maior parte do século XX. Somente um punhado de admiradores do trabalho de Marx manteve a teoria viva naquela era, autores como Henryk Grossman, John Strachey e Paul Mattick. Infelizmente, admiradores de hoje, como os antecessores acima mencionados, partilham o viés acriticamente ao tomar o esquema de Marx como o Santo Graal. Na maior parte das vezes, Marx usava formalismo muito ocasional como ferramenta de exposição e não como os axiomas de um sistema formal. Aqueles treinados na análise econômica moderna são inclinados a saltar sobre estas fórmulas com um fervor de discípulo. Eles debatem a resistência de um modelo que descreve a economia global como uma coleção de empresas a devorarem capital constante a uma taxa maior do que o emprego de trabalho e mecanicamente deprimindo a taxa de lucro. Isto é confundir a simplificada exposição de Marx com explicação robusta. Pode-se aprender muito da exposição de Marx sem que se faça disto um exercício escolástico.
Entre os nossos amigos de esquerda, tornou-se popular falar da crise e desta era como de "financeirização". Isto é sobre tudo inútil. Na verdade, a crise tem muito a ver com o setor financeiro; este desempenhou e desempenha um papel maior na economia global, especialmente nos EUA e Reino Unido. Mas recorrer a um novo nome nada faz para expor ou explicar o papel da finança. Tal como "globalização" num momento anterior, a palavra "financeirização" pode ser emocionante, elegante e conveniente, mas normalmente esconde os mecanismos em funcionamento. É um termo deslocado, sem sentido, que esconde a verdadeira causa da crise.
Há um ponto nesta algo extensa, mas apenas esboçada, jornada ao longo do capitalismo do pós guerra. Esperançosamente, a jornada demonstra ou sugere fortemente que os eventos do passado econômico não foram nem aleatórios nem simplesmente conduzidos pela política. Eles foram, ao invés, o produto da lógica interna do capitalismo; eles brotaram de barreiras e de ajustamentos na trajetória do capitalismo. Quando direções se mostraram infrutíferas, novas direções foram tomadas. Se bem que não seja possível descartar novas manobras que tratem o problema inerente da super-acumulação, o problema não irá embora. Ele retornará para assombrar qualquer tentativa que presuma conquistá-lo de uma vez por todas. E se o capitalismo carrega este gene, então seria sábio procurar um melhor sistema econômico que prometa tanto maior estabilidade como maior justiça social. Naturalmente, encontrar essa alternativa começa por revisitar a idéia com duas centenas de anos há muito favorecida pelo movimento da classe trabalhadora: o socialismo. Ligado a esse projeto está a tarefa de reconstruir o movimento, a organização política necessária para alcançar o socialismo.
Como as coisas estão no mundo de hoje, há apenas duas magras opções no menu habitual: uma, é salvar e manter o capitalismo com os sacrifícios dos trabalhadores e de outros, a outra é salvar e manter o capitalismo com os sacrifícios dos trabalhadores e um simbólico sacrifício de uma "quota justa" por parte das corporações e dos ricos. Nenhuma delas é muito animadora.
A primeira opção é baseada na   papa fina da teoria econômica do "gotejamento" ("trickle down") e na visão para embalar crianças de que "uma subida da maré eleva todos os barcos". É a receita dos dois principais partidos políticos dos EUA, do Abe do Japão, dos partidos europeus de centro e dos Trabalhistas do Reino Unidos.
A segunda opção também promete salvar o capitalismo, mas através de uma falsa distribuição justa da adversidade por todas as classes. Esta é a rota apresentada pela maior parte dos partidos da esquerda européia e mesmo por alguns Partidos Comunistas.
Mas um sistema – o capitalismo – que está geneticamente propenso à extrema distribuição de riqueza e à crise persistente não contribui para uma refeição apetitosa. Precisamos, ao invés, dispensar programas que prometem melhor gestão do capitalismo, como os comunistas gregos (KKE) gostam de dizer. Isso é para outros que estão em paz com o capitalismo ou subestimam seus fracassos inevitáveis.
A única resposta para a insuficiência cardíaca do capitalismo é mudar a dieta e colocar o socialismo no menu.

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