quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A PASSEATA DOS PSEUDODEMOICRATAS

Brilham os hipócritas na passarela parisiense


Pepe Escobar, SputnikNews - Tradução: Vila Vudu

Que inigualável desfile de hipocrisia política. A visão do general Hollande, Conquistador do Mali; David das Arábias Cameron; Angela “Morram, ucranianos do leste!” Merkel; Ahmed “Assad tem de sair” Davutoglu; até o rei Sarkô Primeiro, Libertador da Líbia, para nem falar de Bibi “Solução Final contra ‘o Islã’” Netanyahu – todos em marcha pela “liberdade”, pelo direito à livre expressão” e pela “civilização” contra “o barbarismo” pelas ruas de Paris, faria gemer de vergonha e de desgosto qualquer representante da tradição intelectual ocidental, de Diógenes a Voltaire e de Nietzsche a Karl Kraus.

Observado da Ásia, o ‘congresso’ mundial de políticos pareceu ainda mais grotesco. E não surpreende que já circule viralizada, por todo o sudeste da Ásia, lar das redes sociais árabes, a imagem da “marcha pela unidade” em Paris, reunida, como numa colagem, com uma imagem de Hitler e seus nazistas desfilando também por lá, com a Torre Eiffel ao fundo.[1] Aí está, em resumo, todo o debate sobre a “liberdade de expressão”. Será que algum dia aquela imagem-colagem encontrará livre acesso à primeira página de algum noticioso da imprensa-empresa ocidental, satírico ou não satírico?
Um dos maiores truques que as elites governantes da civilização ocidental conseguiram urdir é o mito da “livre manifestação do pensamento” – só comparável ao mito do “livre” mercado. “Livres” são, mas só na medida em que o autorizem os Masters of the Universe. Qualquer manifestação de pensamento que ataque os objetivos atlanticistas – geopolíticos ou econômicos; que exponha seus padrões duplos, até triplos; ou que exponha detalhes realmente decisivos – de crimes financeiros, a crimes de guerra; e, crucial: que exponha detalhes do terrorismo patrocinado pelo ocidente – é cruel, impiedosamente silenciada.
Assim sendo, caluniar, demonizar todo o Islã, e 1,6 bilhão de muçulmanos, em massa, é aceitável ou, pelo menos, é tolerado. Mas denunciar o sionismo... é “antissemitismo”. Que “liberdade de imprensa”?! A rede Press TV do Irã é proibida em todos os domínios atlanticistas! RT é agredida rotineiramente, como porta-voz de uma ditadura-do-mal. Alguém algum dia verá os tais “líderes” desfilando no Donbass ou em Damasco, em defesa da “liberdade de imprensa”?! Esqueçam.

São os “nossos OTAN-felásdaputa” 

É bem provável que a cereja no bolo letal tenha sido o “apoio” que a Casa de Saud ofereceu à França (Arábia Saudita que acaba de aplicar as primeiras 50 chibatadas públicas, das mil a que foi condenado o blogueiro (está preso) Raif Badawi. Seu crime? Badawi mantinha um blog liberal, no qual defendia a tal, ah, tão preciosa, “liberdade de manifestação do pensamento”... só que na Arábia Saudita.
Oh – choram em uníssono as hordas ilustradas – mas eles-lá são “reino conservador”! São, isso sim, um dos aliados estratégicos mais crucialmente importantes do ocidente – tanto por causa daquele petróleo todo, como porque são mercado fabuloso para “nossas” ferramentas-armas de guerra. São “nossos” felásdaputa. Ah, sim, sim, podem fazer o que bem entendam, tudo.
A diferença é que agora os Masters of the Universe já não conseguem engambelar tão facilmente a grande maioria do Sul Global, que já compreende que, bem examinadas as coisas, praticamente não há nenhuma diferença realmente significativa entre a Casa de Saud e a nuvem de declinações da sempre mesma al-Qaeda, e o Estado Islâmico/ISIL/ISIS/ Daesh – o falso Califado atualmente dono do “Siriaque”.
A raiz de todo o inferno jihadista é, fundamentalmente, o wahabbismo medieval – e aquela sua interpretação primitiva e intolerante do Islã. Mas esse fenômeno não pode nem começar a ser discutido pela grande imprensa-empresa ocidental. Nesse setor, nada de “liberdade de manifestação do pensamento”. A Casa de Saud e sortimento variado de plutocratas do Golfo Persa são os “nossos” felásdaputa. Pois se até estão ajudando a coalizão comandada pelo Império do Caos a combater o ISIL!
Até intelectuais franceses que já disseram coisa-com-coisa sobre o jihadismo, como Olivier Roy, estão aí, agora, a perguntar-se pela “conexão entre Islã e violência”. A pergunta está errada: não se trata de Islã; trata-se de proselitismo/ideologia religioso/a exportado pelos sauditas.
Internamente, a sociedade francesa não está “ameaçada” por presença muçulmana, coisa nenhuma: está ameaçada, isso sim, pela sua própria islamofobia exacerbada.
O problema é que a França não sabe como integrar grande parte de sua população muçulmana, o que o sociólogo Farhad Khosrokhavar descreve como “terroristas à moda da casa” [orig. “terroristes maison”]. Esses terroristas made in France começam com pequenos furtos, são des-islamizados e, na sequência, re-islamizados por imãs de quarteirão e, sobretudo, pela devastação que a OTAN e o Império do Caos semearam em todas as terras do Islã.
A OTAN, de que a França faz parte, fez de tudo: de bombardear civis (na Líbia), até financiar/armar “apoiando” os chamados “rebeldes moderados” na Síria. E não fez muito melhor, tampouco, no front da liberdade de manifestação do pensamento. Segundo o tribunal de Bruxelas, pelo menos 404 jornalistas foram assassinados desde a invasão-ocupação do Iraque, pelos EUA, em 2003; 374 deles eram iraquianos. Não se pode dizer que tenham sido exatamente homenageados pela gangue atlanticista amante da liberdade. Nem receberam qualquer homenagem, os mais de 1 milhão de civis iraquianos mortos, dizimados pelo Império do Caos, ao longo de 30 anos de fúria imperial assassina. E ainda sem falar dos mais de 200 mil sírios, vítimas da guerra “Assad tem de sair”. 

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