Crise grega por Latuff - 2015
[*] William R. Polk, Consortium News
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ao focar exclusivamente os aspectos monetários da crise grega, a narrativa construída e distribuída pela mídia perde de vista grande parte do que realmente atormenta os gregos e também do que poderia possibilitar alguma solução.
Por mais de meio século, os gregos viveram tempos de grande perigo. Nos anos 1930s, viveram sob uma ditadura brutal, cujo modelo foi a Alemanha Nazista, com polícia secreta copiada da Gestapo e com os dissidentes mandados para morrer num campo de concentração numa ilha. E então, aconteceu coisa estranhíssima: Benito Mussolini invadiu a Grécia.
Para proteger o autorrespeito e o próprio país, os gregos puseram de lado o ódio contra a ditadura de Metaxas e uniram-se para combater o invasor estrangeiro. Os gregos fizeram tão belo trabalho na defesa do país deles, que Adolf Hitler teve de adiar a invasão da Rússia, para ir até lá resgatar os fascistas italianos.
Há quem diga que esse movimento pode ter salvo Josef Stalin, porque o adiamento forçou a Wehrmacht a combater na lama, neve e gelo da Rússia, condições para as quais não estava preparada. Mas, ironicamente, isso também salvou a ditadura de Metaxas e a monarquia. O rei e os mais altos oficiais gregos fugiram para o Egito então ocupado pela Grã-Bretanha e, como novos aliados, foram declarados parte do “Mundo Livre”.
Enquanto isso, na Grécia, os alemães saqueavam grande parte da indústria grega, dos estaleiros e estoques de comida. Os gregos passaram fome. Como Mussolini disse então, “os alemães tiraram dos gregos até os cordões dos sapatos”.
Então os gregos começaram a reagir. Em outubro de 1942, iniciaram um movimento de resistência que, em dois anos, tornou-se o maior da Europa. Quando a França se orgulhava dos seus menos de 20 mil partisans, o movimento da resistência grega alistara 2 milhões de resistentes, e já derrotara pelo menos duas divisões de soldados alemães. E sem nenhuma ajuda externa.
Quando o desfecho da guerra começou a se configurar, o Primeiro-Ministro britânico, Winston Churchill, decidiu devolver a Grécia ao regime de antes da guerra, com a monarquia e o antigo governo. Temia a influência dos comunistas ativos dentro do movimento de resistência.
Churchill tentou conseguir que o exército anglo-americano, que se aprontava para invadir a Itália, invadisse não a Itália, mas a Grécia. Fato é que tanto insistiu nessa mudança no plano de guerra que quase rompeu a aliança militar dos Aliados. Quando não conseguiu o que queria, mandou para a Grécia todos os soldados que ainda estavam sob o comando dele. Com isso precipitou uma guerra civil que rachou ao meio o país. Os líderes da resistência clandestina foram derrotados e o movimento foi esmagado. A burocracia, a polícia e os programas da ditadura do pré-guerra retomaram o controle do país.
Depois da guerra, com a Grã-Bretanha já arruinada e sem meios para sustentar sua política imperial, Londres entregou a Grécia aos norte-americanos que anunciaram a “Doutrina Truman” e afogaram o país em dinheiro, com o que impediram o sucesso eleitoral da esquerda. O dinheiro norte-americano funcionou bem por algum tempo, mas a mão pesada da ditadura criou uma nova geração de supostos democratas que desafiaram a ditadura.
Esse é o tema belamente exposto no filme Z, de Costa Gavras, estrelado por Yves Montand (trailer no fim do parágrafo, em francês). Como o filme mostra, o movimento liberal do início dos anos 1960s foi derrotado por uma nova ditadura militar, “o governo dos coronéis”.
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Quando a junta militar foi derrubada em 1974, a Grécia conheceu um breve período de “normalidade”, mas nenhuma das fissuras profundas que havia na sociedade haviam sido realmente remediadas. Independente de que partido político designasse os ministros, a burocracia sempre autoperpetuada continuava no controle. A corrupção era generalizada. E, mais importante que tudo isso, a Grécia tornara-se um sistema político que Aristóteles chamaria de oligarquia.
Os muito ricos usavam o dinheiro para criar para eles mesmos um estado dentro do estado. Estenderam seu poder para todos os nichos da economia e construíram o sistema bancário grego de modo que se tornou essencialmente extra-territorializado. O porto de Piraeus encheu-se de megaiates de gente que não pagava impostos e Londres foi comprada, pelo menos em boa parte, por gente que sangrava a economia grega. Todo o dinheiro “inteligente” [orig. “smart money”] da Grécia estava aplicado fora do país.
A crise atual
Esse estado de coisas poderia ter durado muito mais tempo, mas quando a Grécia uniu-se à União Europeia em 1981, banqueiros europeus (principalmente alemães) farejaram uma oportunidade: voaram em bandos para a Grécia, para oferecer empréstimos. Até quem não tinha renda que tornasse razoável qualquer empréstimo ganhou empréstimos. Na sequência, os banqueiros começaram a cobrar pagamentos. Chocados, os empresários começaram a demitir. O desemprego cresceu. As oportunidades evanesceram.
Não há qualquer remota chance de aqueles empréstimos serem pagos. Nunca deveriam ter sido oferecidos e nunca deveriam ter sido aceitos. Para manter-se à tona o governo cortou em serviços públicos (não cortou gastos militares) e o povo sofreu muito. Nas eleições de 2004, o povo ainda não havia sofrido o suficiente a ponto de eleger a coalizão radical liderada pelo partido “Unidade” (SYRIZA). Naquele ano, o partido recebeu apenas 3,3% dos votos.
Então, depois do crash financeiro de 2008 vieram anos de dificuldades que aumentavam dia a dia, todos os políticos eram considerados culpados de tudo e havia muita ira. Era ira popular, dos que se sentiam desorientados pelos banqueiros e pela própria loucura. Não havia esperança nem havia saída à vista, e os gregos começaram a virar-se na direção do partido SYRIZA. Depois de várias tentativas, afinal nas eleições de 2015 o SYRIZA alcançou 36,3% dos votos, e elegeu 249 dos 300 membros do Parlamento.
Hoje, as condições que empurraram na direção dessa eleição são ainda mais graves: a renda nacional da Grécia caiu 25% e o desemprego entre os mais jovens é superior a 50%. Assim sendo, o que resta aos negociadores fazer?
Com Alemanha e UE a exigir mais e mais ARROCHO, os gregos estão furiosos. Há no país memórias profundas de ódio aos alemães (antes eram soldados, agora são banqueiros). Os gregos foram mal interpretados, mal representados e traídos pelos seus próprios políticos vezes sem conta. O Primeiro-Ministro Alexis Tsipras sabe que, se for marcado com o rótulo “vendido”, sua carreira está acabada.
E o pacote do dito “resgate” que o FMI e o BCE ofereceram pesa muito contra a Grécia. Os gregos veem a opção de sair do euro como semelhante à posição que Grã-Bretanha e Suécia assumiram desde o início, de não adotar a moeda europeia – mas terá de haver ajuste doloroso para a economia grega, caso a Grécia tome a decisão, sem precedentes, de desligar-se do euro.
Mesmo assim – a menos que FMI e BCE façam nova oferta, que traga alguma coisa que dê aos gregos chance de uma vida melhor e cancelem parte significativa da dívida – entendo que os gregos acertarão se votarem “Não”, no domingo; se rejeitarem as demandas dos banqueiros, que querem mais e mais ARROCHO; e se abandonarem o euro.
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[*] William Roe Polk (nascido em 1929 em Fort Worth , Texas) é um veterano consultor de política externa, diplomata, autor e parente do presidente James K. Polk e do proeminente advogado e diplomata Frank Polk. É ex-professor de História e ex-Reitor da Universidade de Harvard e da Universidade de Chicago tendo sido também Presidente da Adlai Stevenson Institute of International Affairs.
Polk ensinou História do Oriente Médio e Política em Harvard 1955-61, e foi então nomeado pelo Presidente Kennedy para o Departamento de Estado no Conselho de Planeamento de Política com foco no Oriente Médio e Norte da África. Serviu como membro da equipe de gestão na Crise dos Mísseis Cubanos.
Polk demitiu-se do governo federal para se juntar à Universidade de Chicago como professor de História em 1965, onde lecionou por 10 anos e estabeleceu seu Centro de Estudos do Oriente Médio. Foi vice-presidente da Fundação WP Carey e membro do Conselho de Relações Exteriores dos EUA Vive atualmente no sul da França e é casado com a Baronesa Elisabeth von Oppenheimer. Lecionou no Instituto Canadense de Relações Internacionais, no Conselho de Relações Exteriores, no Instituto Real de Relações Internacionais e no Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais da Academia de Ciências da União Soviética (hoje Rússia), bem como mais de uma centena de universidades e faculdades.
É autor de inúmeros livros:
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quinta-feira, 16 de julho de 2015
POR TRÁS DA CRISE GREGA
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