A crise do euro e a crise sistêmica global
por Edmilson Costa [*]
A crise sistêmica global segue sua marcha, profunda e devastadora, como todas as grandes crises do capitalismo. O grande capital afia suas armas, realizando uma verdadeira guerra de classes contra os trabalhadores visando colocar todo o ônus da crise na conta da população e dos assalariados, enquanto os próprios trabalhadores, refeitos dos impactos iniciais da crise, iniciam uma jornada de lutas contra o capital em praticamente todas as partes do mundo, especialmente na Europa e Norte da África, muito embora essas lutas não estejam ainda unificadas e com um programa alternativo à ofensiva do capital.
[*] Doutorado em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Enquanto isso, as classes dominantes tateiam no escuro sem encontrar uma saída para crise, uma vez que os mecanismos clássicos anticíclicos, que tinham alguma efetividade nos períodos das crises cíclicas, agora perderam a relevância, uma vez que a crise sistêmica global da atualidade coloca um conjunto de problemas novos para os quais as classes dominantes, acostumadas a viver num mundo que está ruindo, não estão em condições de resolvê-los. Por mais que os meios de comunicação diariamente procurem manipular a realidade, com a velha história de que os problemas estão sendo superados, a crise tende a se agravar e aprisionar em cadeia novos países. A Europa neste momento se apresenta como a bola da vez na cadeia da crise mundial. Todos os países europeus estão profundamente endividados e parte expressiva dessa dívida foi feita para reduzir temporariamente a bancarrota do sistema financeiro dos respectivos países, profundamente comprometidos com a especulação mundial anterior à crise. Os problemas europeus se tornam mais graves porque a Europa criou a zona do euro, com uma moeda única, mas com enormes disfunções e desigualdades de produtividade entre os países, o que ampliou o fosso entre as nações de baixa produtividade, que acumularam déficits, e aquelas que acumularam superávits em função da elevada competitividade de suas economias. Diante das questões, a publicação do excelente livro Ascensão e Queda do Euro, publicado em Portugal e ainda sem edição brasileira, presta uma grande contribuição para o debate não só das questões referentes à crise que atinge atualmente a Europa, mas também sobre os privilégios norte-americanos com a emissão de uma moeda mundial e os impasses que hoje permeiam as economias naquela região. Coordenado pelo economista Jorge Figueiredo, diretor do site resistir.info , o livro reúne um grande elenco de economistas progressistas que se debruçam sobre os principais problemas que a implantação do euro trouxe para as economias européias. Todos com uma visão crítica da economia política, eles debatem não só a crise atual, mas principalmente elaboram um conjunto de propostas para enfrentar a crise. Para esses economistas, a Europa do capital que se formou com o euro não cumpriu nenhuma das promessas que propagandeou quando foi iniciado esse processo e que se tornou mote para que fosse aprovado o Tratado de Maastrich. O conto da ideologia do europeísmo, que prometia uma integração que levaria à unidade, a solidariedade e a paz entre os povos europeus e ampliaria a coesão social, foi sequestrada pelo grande capital, que se apropriou desde o início da integração e colocou em marcha um processo que está reduzindo a democracia e levando os trabalhadores à miséria. Isso sem contar que aparecem hoje com força o racismo, a xenofobia e o preconceitos contra os povos, do tipo "gregos preguiçosos", "italianos irresponsáveis", "portugueses indolentes", tudo isso para justificar o assalto contra as instituições e os direitos dos trabalhadores. Apesar dos dramas humanos que os ajustes provocam, por incrível que pareça, parcela expressiva dos bancos vem se comportando como abutres, especulando no mercado sobre quem será a próxima vítima, a próxima bola da vez da crise. Com a crise, o setor financeiro do grande capital ganhou tal influência que já foi capaz de desmontar parte dos direitos e garantias do Estado do Bem Estar Social, impor seus representantes não apenas no Banco Central Europeu, mas em vários países como na Itália e Grécia, além de uma política de austeridade cruel para todos os povos da região, especialmente para as nações endividadas, tudo isso para colocar seus povos a serviço dos bancos. O livro começa com uma abordagem teórica sobre o dinheiro, os juros e a inflação, bem como uma análise sobre os custos, problemas e perigos que o dólar representa atualmente para o sistema econômico, de autoria do economista holandês Rudo de Ruijter. Ele critica o fato de os Estados Unidos emitirem uma quantidade dólares muito maior que seus ativos reais, emissão que lhe possibilita comprar mercadorias reais com papel pintado, sob a forma de déficit, resultando assim num privilégio imperial para os Estados Unidos. Para os autores, a Europa do euro é a Europa dos banqueiros e especuladores, a Europa neoliberal, controlada pela União Européia (UE) e o Banco Central Europeu (BCE), aos quais agora se junta o Fundo Monetário Internacional (FMI), a verdadeira troika que dirige a zona do euro. A maioria dos autores acredita que só um afastamento da zona do euro será capaz de superar a crise, enquanto ainda há quem acredite em soluções keynesianas para resolver os problemas. Este é o caso de Yannis Varoufakis e sua Proposta Modesta (Modest Proposal). Varoufakis parte do princípio de que deveria ser realizada uma grande negociação entre representantes dos países com déficits elevados e os países superavitários e representantes dos bancos europeus que possuem títulos dos países com altos déficit, de forma a que se possa tratar o problema da dívida em sua totalidade. O próprio Varoufakis é cético quanto a implementação da proposta, em função da rigidez dos interesses das elites financeiras. A proposta envolve três medidas básicas: a) converter os 60% do total da dívida de todos os países da eurozona num título europeu comum, emitido pelo BCE, de forma a reduzir o custo da tomada de empréstimos e atrair investimentos dos países superavitários, transformando o euro numa moeda de reserva internacional; b) dar poderes ao Banco Europeu de Investimentos para realizar um amplo programa de investimentos pan-europeu como forma de se contrapor às forças da recessão; c) colocar em funcionamento a disciplina fiscal entre os Estados membros de forma a acabar com as tentativas de um Estado de minar a política de investimentos de outro estado. As outras propostas, com diferentes graus de detalhes, são favoráveis à saída do euro. É o caso de Rudo de Ruijter. Ele propõem a saída do euro, o fim da austeridade e a criação de um Banco Central do Estado, controlado pelo Parlamento, uma vez que tanto o BCE, quanto os Bancos Centrais atuais são dirigidos, na prática, pelos interesses privados. Esse novo Banco Central criaria uma moeda do Estado, na proporção de 1 por 1, e seria o único habilitado e emitir dinheiro. Todos os bancos comerciais seriam proibidos de criar moeda através do crédito. Os empréstimos em curso seriam de responsabilidade dos bancos até seu reembolso total. Caso tenham interesse, esses bancos seriam intermediários entre o Banco do Estado e o público, atividade para a qual receberiam uma comissão. Todos os juros irão para o caixa do Estado, o que tornaria o sistema mais barato e facilitaria a atividade produtiva. A dívida do Estado seria suprimida com a moeda do Estado e quando este quisesse se endividar recorreria à própria moeda do Estado, mediante um teto democraticamente e constitucionalmente definido. A menor influência dos bancos em relação à sociedade dará lugar a uma maior influência democrática no destino dos países. Outra das propostas é feita por um conjunto de economistas, capitaneados por Costas Lapavitsas, que defende o rompimento com o euro e um incumprimento do pagamento da dívida conduzido pelos próprios devedores, de maneira soberana e democrática. Ele reconhece que a saída do euro tem riscos e custos, mas afirma que a continuidade da política atual levará a uma saída caótica e ainda mais custosa. O Estado denominaria sua dívida na nova moeda, nacionalizaria os bancos e passaria a fornecer a liquidez interna, pois passaria a ter o comando da política monetária. É bem verdade que a mudança de moeda levaria a uma depreciação do novo dinheiro, mas isso aumentaria a competitividade do País. Lapavitsas e seus colegas defendem um vasto programa econômico, incluindo o controle do capital, redistribuição da renda, nova política industrial e reestruturação completa do Estado, de forma a mudar o equilíbrio em favor do trabalho e colocar o País no caminho do crescimento sustentável, do elevado nível de emprego, bem como da restauração da soberania nacional. A proposta mais dura do livro é feita por Jacques Nikonoff, economista francês e ex-presidente do ATTAC. Ele começa afirmando que os países que quiserem acabar com a austeridade e efetuar políticas de esquerda não têm outra opção senão mobilizar os cidadãos para sair do euro. Nikonoff propõe um conjunto de medias práticas para construir a nova ordem: anunciar o incumprimento de pagamentos e reestruturar a dívida; financiar uma parte da dívida pela política monetária; nacionalizar os bancos e companhias de seguros; desmantelar os mercados financeiros especulativos, fechar os mercados de títulos e organizar o enfraquecimento das bolsas; controlar o câmbio e os movimentos de capitais; lançar uma nova política econômica fundada no direito ao emprego, medidas protecionistas no quadro universalista da Carta de Havana, além de uma mutação ecológica do modo de produção. Esse conjunto de propostas não têm ainda condições de ser implementadas porque as forças neoliberais continuam no leme da política econômica, impondo os interesses do grande capital sobre a maioria dos trabalhadores. No entanto, as propostas elaboradas por esses economistas e publicadas no livro podem ser uma bandeira importante para o movimento popular caso a correlação de forças mude em favor do trabalho. Aí então A Ascensão e Queda do Euro pode se tornar uma grande referência para a construção de uma nova ordem na velha Europa. O original encontra-se na revista Novos Temas, nº8, 2013, editada no Brasil pelo Instituto Caio Prado |
domingo, 16 de junho de 2013
UMA ÓTIMA REFLEXÃO...
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