Três fatos que explicam a importância do petróleo na
crise no Iraque
Brad Plumer
Desde há meses, militantes
sunitas do Estado Islâmico (mais conhecido por ISIS) detêm o controlo de vastas
áreas do Iraque.
Mas foi só quando penetraram em
território curdo semi-autônomo e próximo de Erbil, a capital curda (uma cidade
rica em petróleo, onde estão várias companhias ocidentais, como a Chevron e a
ExonMobil), que a administração Obama decidiu autorizar ataques aéreos contra o
ISIS.
O momento tão oportuno já levou
alguns comentadores a sugerir que a actual intervenção dos EUA apenas tem que
ver com o petróleo. Talvez seja um exagero; ela parece ter uma diversidade de
objectivos, tais como proteger mais amplamente os curdos e impedir o ISIS de
massacrar os Yazidis iraquianos. Mas seria também errado assumir que o petróleo
é totalmente irrelevante no que toca à crise no Iraque, considerando o largo
espectro da questão.
O Iraque é actualmente o sétimo
maior produtor de petróleo do mundo, extraindo cerca de 3,3 milhões de barris
por dia, dados de Abril. E o Curdistão é responsável por cerca de 10% dessa
produção. Portanto, o ISIS está a ameaçar um dos produtores essenciais.
Entretanto, as disputas sobre como repartir os rendimentos do petróleo do
Curdistão representam um factor significativo nos intermináveis impasses
políticos no Iraque. E a Administração Obama envolveu-se num combate para
resolver se o Curdistão deverá poder vender o seu petróleo directamente nos
mercados mundiais.
Aqui
fica uma relação dos três factos que explicam a importância do petróleo na
actual crise no Iraque:
1) O Curdistão é um dos
maiores produtores de petróleo; e o ISIS constitui uma ameaça
A região curda do Iraque (onde
vivem 5 milhões de curdos) é parcialmente independente desde a Guerra do Golfo
de 1991, com o seu próprio governo e exército (os peshmerga). Mas só se
tornou uma grande região produtora de petróleo depois da invasão do Iraque
liderada pelos EUA, em 2003.
A região tem dois vastos campos
de petróleo em particular (Taq Taq e Tawke), pouco considerados até 2004;
também há o gigantesco campo de petróleo em Kirkuk, embora a cidade seja
objecto de disputa entre os curdos e outros grupos étnicos no Iraque. Em anos
recentes, contudo, os investidores estrangeiros passaram-se para o Curdistão,
atraídos pelas vastas reservas da região e pela sua relativa estabilidade.
Estes investimentos começavam
agora a ter retorno. Em Junho deste ano, o Curdistão iraquiano produzia 360 000
barris por dia, cerca de 10% da produção iraquiana (e cerca de 0,5% do
fornecimento mundial). E muito mais se esperava. Num telegrama de 2009 do
Departamento de Estado interceptado pelo Wikileaks, uma firma estrangeira disse
que o Curdistão “tem o potencial para ser uma região de hidrocarbonetos de
referência mundial.”
No entanto, o ISIS representava
uma ameaça (parcial) a esse incremento, quando apareceu nos arredores de Erbil,
uma cidade de 1,5 milhão de habitantes, onde estão sediadas muitas das
companhias de petróleo e de gás na região curda. A 8 de Agosto, a Reuters
relatou que cerca de 5 000
barris
por dia haviam saído do circuito no Curdistão como resultado dos confrontos.
Muitas firmas de petróleo, incluindo a Chevron, referiram que retirariam parte
do pessoal não essencial da região.
Até agora, os problemas têm
sido menores, em particular desde que os EUA lançaram ataques aéreos contra o
ISIS que permitiram ao exército curdo recuperar algumas cidades. O governo
regional curdo insiste agora que a “produção de petróleo na região não foi
afectada”.
O ISIS, por seu turno, tem
claramente interesse em apoderar-se dos campos de petróleo. Alegadamente, o
grupo controla sete campos de petróleo e duas refinarias no norte do Iraque,
assim como parte de um oleoduto que se estende de Kirkuk à cidade portuária de
Ceyhan na Turquia. Os relatórios sugeriram que o ISIS está a vender cerca de 10
000 barris de petróleo por dia para financiar as suas actividades.
Vale também a pena notar que a
grande maioria da produção de crude no Iraque não foi até agora afectada. O
mapa abaixo mostra a infra-estrutura do petróleo iraquiano. Se compararmos com
o mapa acima, notaremos que o ISIS não está próximo de nenhum dos maiores
campos de petróleo das regiões do sul do Iraque, que constituem 75% do crude do
país. E não está próximo dos grandes campos de petróleo curdos de Tawke ou Taq
Taq.
A infra-estrutura do
petróleo iraquiano (Energy-pedia)
Ainda assim, muitos
observadores do petróleo contavam com o Iraque para impulsionar a produção nos
anos vindouros, para ajudar a suprir uma procura mundial sempre crescente. A
violência na região torna estas expectativas consideravelmente mais incertas.
2) Os EUA não deixam o
Curdistão vender o seu petróleo directamente – uma fonte de problemas
Um empregado a trabalhar no
campo de petróleo de Tawke, perto da cidade de Zacho, a 31 de Maio de 2009, na
provincia de Dohuk, cerca de 400 km a norte de Baghdad. (Muhannad Fala'ah/Getty
Images)
Teoricamente, todas as vendas
de petróleo no Iraque deveriam ser geridas pelo governo central em Baghdad, que
depois divide as receitas pelas várias regiões, de acordo com um acordo
existente.
Recentemente, contudo, o
Curdistão iraquiano tem tentado vender maior quantidade de petróleo
directamente a outros países, sem passar inteiramente pelo governo central.
Porquê? As autoridades curdas afirmam que o governo central não tem enviado ao
Curdistão a sua parte prometida correspondente a 17% das receitas do petróleo.
O Curdistão exporta agora cerca
de um terço do seu petróleo por oleoduto para a Turquia, e tem tentado vender
algum desse petróleo directamente, com grande desconto. (Um relatório recente
do Serviço de Investigação do Congresso argumenta que a Turquia está a ajudar
com os transportes a manter boas relações com o Curdistão iraquiano e ajudar a
mitigar o longo conflito com a sua própria comunidade curda.)
Os EUA, por seu turno, opõem-se
oficialmente às vendas directas de petróleo ao estrangeiro, por parte do
Curdistão. Do seu ponto de vista, estas acções minam a unidade do povo
iraquiano, representam passos no sentido da independência curda e ameaçam
dividir ainda mais o país. “Os recursos energéticos do Iraque pertencem a todos
os Iraquianos”, afirmou no Tweeter Brett McGurk, vice-secretário de estado
adjunto norte-americano para os assuntos do Médio Oriente, no passado 30 de
Julho.
O
impasse torna-se cada vez mais complexo. Há atualmente um petroleiro com um
milhão de barris de petróleo curdo parado a cerca de 80 km de Houston que não
pode descarregar o seu crude. O Washington Post relata que o
Departamento de Estado têm avisado discretamente os potenciais compradores do
petróleo curdo de que poderão enfrentar “sérios riscos legais”.
Entretanto, há uma pressão
crescente sobre a Administração Obama para permitir a venda directa, sobretudo
agora que os curdos estão sob o cerco do ISIS e o governo central se recusa a
enviar reservas de petróleo. No Congresso, o Republicano Adam Schiff
(Califórnia) pediu à Administração que alterasse a posição: “Se o governo
iraquiano não prosseguir o apoio financeiro devido aos curdos, devemos pôr
termo à nossa resistência à venda directa do petróleo curdo.”
3) O Petróleo é também um factor
preponderante no debate sobre quem controla Kirkuk
Para tornar as coisas ainda
mais complicadas, existe desde há muito uma disputa no Iraque sobre quem
controla Kirkuk, uma cidade de uns 400 000 habitantes, situada na fronteira
entre a região curda e o resto do Iraque. Kirkuk fica também próxima de um gigantesco
campo de petróleo que contém uns estimados 10 mil milhões de barris de crude.
As disputas sobre Kirkuk
prolongam-se há mais de um século. A cidade é há muito tempo habitada por
curdos, turquemenos, assírios e árabes, cada um destes povos com direitos
históricos sobre a região (os curdos argumentam que Kirkuk é a sua capital por
direito próprio desde o século XVIII).
Mas
a descoberta de petróleo perto de Kirkuk nos anos 1920 aumentou
consideravelmente o interesse. Nos anos 1970, os curdos declararam pretensões
formais sobre os vastos campos de petróleo de Kirkuk. O governo iraquiano
encarou isso como um acto como um acto de guerra e respondeu com uma política
de “arabização”; como precisou a Human Rights Watch, o governo expulsou
centenas de milhares de curdos e assírios da cidade e reinstalou famílias
árabes no local.
Desde a invasão do Iraque pelos
EUA em 2003, aconteceu o oposto. Milhares de curdos desalojados regressaram a
Kirkuk, o que coloca novas questões sobre quem deve governar a cidade. Um referendo
sobre se Kirkuk deve fazer parte do Curdistão tem sido regularmente colocado e
protelado desde 2007. Escusado será dizer que o governo central iraquiano não
está preparado para entregar a cidade.
A disputa deu outro passo
arriscado neste Verão. À medida que o ISIS expandia o seu controlo sobre o
Iraque, as forças turcas dos peshmerga começaram a extrair petróleo dos
campos de Kirkuk (também em desafio ao governo central iraquiano), dando aos
curdos o controlo real não apenas do petróleo mas também da própria cidade.
Ainda não é claro como é que isto se irá desenrolar, mas é mais um foco
potencial de violência e controvérsia alimentado pelo petróleo.
Tradução
de André Rodrigues
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