quinta-feira, 9 de junho de 2011

O SOCIALISMO NA ORDEM DO DIA

Capitalismo e luta de classe (Final)
por James Petras

Imperialismo, luta inter-capitalista e luta de classe

Apesar das crises económicas de 2007-2009, que abalaram a maioria – mas não todos – dos principais centros capitalistas neo-liberais – a classe capitalista na Europa e na América do Norte ficou mais forte do que nunca. Seguindo as prescrições estabelecidas pelo Fundo Monetário Internacional, os principais bancos privados de crédito e os Bancos Centrais, toda a carga de pagamentos da dívida, de défices fiscais e de desequilíbrios comerciais, da responsabilidade dos regimes neoliberais, foi atirada para cima das classes trabalhadoras e assalariadas. Em toda a 'periferia' da Europa de Leste e do Sul foram aplicadas selectivas medidas de austeridade semelhantes. O resultado foi uma reestruturação radical de pensões, de salários, de relações sociais de produção – todo o conjunto de relações de classe estatais. Em consequência, ocorreu uma verdadeira contra-revolução 'pacífica' sócio-económica 'eleitoral' a partir de cima, que aprofunda a exploração da força do trabalho pelo capital enquanto concentra a receita nos 10% do topo da pirâmide social.

Os países imperialistas dos EUA e da Europa que enfrentam uma competição cada vez mais intensa dos BRICs (em especial da China) e dos países em vias de industrialização da Ásia e os crescentes preços dos bens, viraram-se para a procura de 'competitividade' através duma exploração interna intensificada, duma maior pilhagem do erário público e de guerras imperialistas.

Apesar disso, esta competição inter-capitalista está a ter um efeito inverso, aumentando os rendimentos dos trabalhadores dos BRICs e baixando os padrões de vida nos centros imperialistas instituídos. Isto porque os BRICs investem na economia de produção enquanto que os centros imperialistas esbanjam milhões de milhões nas forças armadas e na actividade especulativa
[18] .

É preciso fazer um reparo no que se refere à competição entre os

países imperialistas e os BRICs, na medida em que há milhares de fios financeiros, comerciais, tecnológicos e de produção que os ligam uns aos outros. Apesar disso, os conflitos entre formações sociais são reais, tal como o é a natureza das clivagens internas de classes e das suas configurações. O imperialismo, tal como existe hoje, é um fardo para o avanço da classe trabalhadora [19] . Por agora a dinâmica interna das potências económicas emergentes parece dotá-las com a capacidade de financiar o crescimento interno expandindo o comércio ultramarino e as concessões de salários à classe trabalhadora emergente que exige um quinhão do bolo de receitas em crescimento.

Conclusão

Embora à superfície haja um declínio da luta de classe revolucionariamente política, a partir de baixo, há potencial para que as lutas económicas se tornem políticas no caso de a inflação corroer os ganhos e de os líderes políticos poderem fixar 'linhas de orientação' rígidas sobre os aumentos salariais. Em segundo lugar, tal como ilustra a Venezuela, os líderes políticos podem proporcionar as condições que favorecem o avanço da luta de classe do económico para o político.

Actualmente, a luta de classe política mais dinâmica vem de cima – o assalto sistemático a salários, à legislação social, às condições de emprego e de trabalho lançado nos EUA, na Espanha, na Grécia, na Irlanda, em Portugal, na Inglaterra e nos estados bálticos/balcânicos. Nestes países as crises económicas ainda não provocaram a revolta das massas; em vez disso assistimos a acções defensivas, a greves de grande escala até, tentando defender conquistas históricas. Tem sido uma luta desigual em que a classe capitalista manobra as alavancas institucionais, políticas e económicas, apoiada pelo poder internacional dos bancos e estados imperialistas. A classe trabalhadora não tem o que se lhe compare em termos de solidariedade internacional
[20] . Os sinais mais promissores na luta de classe global encontram-se na acção directa dinâmica da classe trabalhadora latino-americana e asiática. Aí, conquistas económicas sólidas levaram ao reforço do poder e organização de classe. Além disso, os trabalhadores podem basear-se em tradições revolucionárias para criar as bases para o relançamento de um novo projecto socialista [21] . Poderá isso detonar um novo ciclo de guerra de classe, política e económica, a partir de baixo? O reaparecimento da inflação, da recessão, da repressão e de cortes ainda mais profundos poderá obrigar a força de trabalho a agir independentemente e contra o estado como personificação deste período regressivo.
25/Abril/2011
Notas
[1] Sobre a luta dos trabalhadores na China ver "Os trabalhadores é que mandam" Financial Times (FT) 22/2/11, p. 3 e também FT 16/2/11 "Salários chineses aumentaram 12,6% entre 2000-2009 segundo o ILO"
[2] La Jornada 9/4/11 - A Confederação dos Trabalhadores Bolivianos exigiu um aumento de 15% nos salários. Em 2010, a Bolívia teve o maior número de conflitos em 41 anos El Pais 16/4/11.
[3] "Explosão da Inflação nos mercados emergentes" (Financial Times) 14/4/2011, p. 1 "Beijing obrigada a deixar subir o renminbi para combater a inflação" ( FT 17/4/2001) p. 3.
[4] Sobre o orçamento para o ano fiscal de 2012, de Obama, comparar New York Times 13/4/11 e 14/2/11. O último discurso sobre o orçamento sublinha mais de 4 milhões de milhões de dólares em cortes durante 10 anos, que afectam em grande medida a rede social, uma importante concessão aos extremistas republicanos da ala direita.
[5] Os trabalhadores gregos organizaram mais de seis greves gerais entre 2009 e 2011 (ver o semanário ateniense DROMOS desse período). Os trabalhadores espanhóis organizaram duas greves gerais em 2010. Portugal uma e a Irlanda uma importante manifestação.
[6] Dados compilados a partir dos Relatórios sobre o Emprego da Organização Internacional do Trabalho 2010-11.
[7] Ver All Jazeera Fev–Março 2011. Sobre o papel repressivo da nova junta militar, ver Al Jazeera 7/4/2011.
[8] Reuters 14/2/11. Washington, nos bastidores, a manobrar a instalação de um antigo lealista de Mubarak, Field Marshall Tatawi, para chefe da junta é um exemplo flagrante.
[9] A incapacidade dos movimentos sociais árabes para assumir o poder repete um problema semelhante da década anterior na América Latina. Ver James Petras e Henry Veltmeyer Social Movements and State Power (London: Pluto 2005).
[10] Sobre a greve geral na Bolívia, ver "Central Obrera declaran huelga general" La Jornada (Cidade do Mexico)], 8 e 16 de Abril, 2011.
[11] Sobre a primeira volta das eleições presidenciais no Peru e do vencedor populista centro esquerda Ollanta Humala, ver BBC "Peru facing polarizing election as populists face off", 12/4/2011.
[12] Segundo uma notícia "discute-se a subida dos custos da mão-de-obra (na China). Há oportunidades de emprego por todo o lado, há muito menor necessidade de emigração" Financial Times 18/3/11, p. 22.
[13] Sobre os multimilionários chineses ver Forbes Março 2011. Em consequência de "disputas irreflectidas entre Maio e Agosto (2010) os patrões foram atingidos por greves ou outros problemas. Isso resultou em aumentos de salários, nomeadamente um aumento de 30% na Foxcomm, um fabricante de Taiwan". Financial Times 16/2/11, p. 3.
[14] Correo de Orinoco, Caracas, Venezuela (English edition weekly) 3-9 de Abril, 2010.
[15] A greve geral dos trabalhadores do sector público de Wisconsin em Março de 2011 foi a excepção à regra, a primeira do seu género, induzida pelo governador republicano e pela abolição efectiva da legislação de direitos de negociação colectiva. Com excepção de uma greve de um dia dos estivadores de São Francisco e de alguns protestos esporádicos noutros estados, a confederação americana do trabalho AFL-CIO não organizou uma única manifestação pública nacional, mantendo-se dependente do financiamento de muitos milhões de dólares dos políticos Democratas.
[16] O congressista Republicano Ryan propôs a privatização da segurança social e do programa de saúde sénior (Medicare) e uma redução draconiana das despesas com os cuidados de saúde aos pobres e deficientes. O presidente Obama prosseguiu com a sua

versão de cortes sociais regressivos embora numa escala menor mas na mesma direcção. Ver o discurso de Obama ao povo americano no comunicado de imprensa da Casa Branca em 3 Abril, 2011. New York Times 14 Abril, 2011, p. 1.
[17] Discussões com delegados de fábricas e Luciano Vasapolla, secretário do movimento sindical italiano militante "Reto di communisti", Roma, Itália. 1 Maio, 2009.
[18] Sobre o impacto negativo da financiarização do capital e das despesas militares na economia produtiva, ver Michael Chossudovsky e Andrew Gavin Marshall ed The Global Economic Crises (Montreal: Global Research 2010) ESP. Cap. 3, PP. 72-101 e Cap. 9, pp. 181-211.
[19] Para uma exposição clara da relação entre imperialismo e decadência interna, ver James Petras and Morris Morley, Empire or Republic? American Global Power and Domestic Decay (New York: Routledge 1995).
[20] O "Fórum Social Mundial" e outros ditos "fóruns de esquerda" são essencialmente constituídos por discursos que criam oportunidades para as classes palradoras constituídas por académicos e membros das ONG. Na maior parte dos casos as fundações e os patrocinadores proíbem-nos explicitamente de assumir uma posição política, e muito menos organizar apoio material para as lutas de classes existentes. Nenhuma das principais greves gerais da classe trabalhadora na Europa, na América Latina ou na Ásia recebeu jamais apoio material dos eternos assistentes dos fóruns de esquerda. O declínio do internacionalismo operário não foi compensado sob qualquer aspecto pela solidariedade internacional destas forças díspares.
[21] Apesar da diabolização da Revolução Cultural e social na China e na Indochina, muitos gestores, líderes de grupos e até mesmo intelectuais liberais, têm consciência e receiam as consequências de "empurrar a classe trabalhadora longe demais". Na América Latina o legado revolucionário das revoluções do passado e o exemplo de Cuba e da Venezuela ainda servem como uma herança viva das lutas revolucionárias.


Tradução de Margarida Ferreira.


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