sábado, 4 de junho de 2011
É positivo o projeto de Código Florestal aprovado pela Câmara, que será votado pelo Senado?
NÃO
A mentira repetida
JOSÉ SARNEY FILHO
A aprovação da emenda substitutiva do relator Aldo Rebelo para o novo Código Florestal, na noite de 24 de maio de 2011, representa um dos maiores equívocos já cometidos pela Câmara dos Deputados, com repercussões que, mantido o retrocesso, devem afetar várias gerações, pois, ao contrário da mentira repetida pelos defensores da proposta, o texto aponta, sim, na direção do aumento do desmatamento.
Já tínhamos o péssimo exemplo da liberação da soja transgênica da Monsanto por medida provisória; agora, com a aprovação das mudanças no Código Florestal, fica a sensação de impunidade.
Basta um olhar mais apurado para perceber que, além da farra da anistia para quem desafiou a lei e desmatou onde não era permitido, a fatídica proposta abre graves brechas na legislação para uso indevido de áreas que deveriam, à luz do interesse nacional, ser protegidas.
O artigo 3º, inciso III, por exemplo, ao definir o conceito de área rural consolidada, estende o regime de pousio para todas as propriedades, sem regra de temporalidade.
Assim, áreas em regeneração na mata atlântica e na Amazônia serão consideradas como consolidadas e, portanto, disponíveis para uso agropastoril! O mesmo artigo exclui as veredas e os manguezais como áreas de preservação permanente (APP). Desconhecer a importância biológica desses ecossistemas é um erro inaceitável em termos de proteção ambiental.
O artigo 8º estende o uso de APP para atividades agrossilvipastoris, cujo impacto no desmatamento será imediato, regularizando, inclusive, aquilo que antes era irregular. Ademais, da maneira como foi redigido, não fica claro quem será responsável por autorizar a supressão de vegetação em APP.
Em tese, qualquer órgão integrante das três esferas de poder poderá fazê-lo, o que, além de não recomendável, é preocupante, uma vez que sabidamente a grande maioria dos municípios não conta com estrutura técnica e material adequadas para esse fim.
Outro erro primário ou pura má-fé: as atividades de pastoreio extensivo e atividades agrossilvipastoris em topos de morros e encostas ocupadas até 2008 serão permitidas (arts. 10 e 12). É potencializar os efeitos negativos sobre a água e sobre o solo, principalmente as erosões e deslizamentos, estes últimos responsáveis por recentes tragédias que abalaram o país.
O produtor que tem até quatro módulos fiscais -e neste caso um produtor pode ter várias propriedades de quatro módulos- fica, na prática, isento da recuperação da reserva legal (RL), independentemente da adesão aos programas de regularização ambiental (art. 13).
Ao flexibilizar as formas de compensação da RL (art. 38), a proposta incentiva novos desmatamentos, ao permitir que o produtor compense em outra região a devastação feita na sua propriedade, tendo ainda 20 anos como prazo para fazê-lo.
No artigo 58, os estímulos ao desmatamento continuam. Antes, havia um embargo obrigatório da área desmatada ilegalmente. Agora, ele é optativo e, a depender da decisão, o agressor ambiental poderá fazer uso da área até que se tenha um desfecho do caso.
O texto aprovado na Câmara é um convite ao desmatamento do que resta dos nossos biomas e um prêmio para quem agiu na ilegalidade. É preciso corrigir os equívocos. Caso contrário, o Brasil poderá perder uma bandeira que faz diferença em um mundo cada vez mais dependente dos recursos naturais e do equilíbrio ambiental.
Apostar no retrocesso ambiental como estratégia comercial para o agronegócio brasileiro é um erro que custará caro.
JOSÉ SARNEY FILHO é deputado federal pelo PV-MA, líder da bancada do Partido Verde na Câmara e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista. Foi ministro do Meio Ambiente (governo FHC).
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