Vicente Navarro(*)
Um dos indicadores da baixa qualidade da democracia espanhola é a limitasdíssima diversidade ideológica nos meios de comunicação mais difundidos na Espanha. O viés conservador de tais meios - mesmo aqueles que se consideram de centro ou de centroesquerda - é muito acentuado na Espanha. Não devemos nos esquecer que esse viés é também característica de muitos dos chamados países democráticos. Mas o caso da Espanha é extremo. Um exemplo é a cobertura da política venezuelana pelos cinco jornais de maior circulação do país.
Nos EUA, por exemplo, onde o domínio conservador da mídia também é muito acentuado , a cobertura do governo de Chávez tem sido desequilibrada, dando destaque para os críticos do governo. Mas as vozes menos críticas, e até mesmo favoráveis ao governo, têm aparecido na mídia. Tal como afirmado por Mark Weisbrot (em seu recente artigo no The Guardian) , no Los Angeles Times , o Boston Globe, o Miami Herald, e até mesmo o conservador The Washington Post , também publicaram artigos favoráveis ao governo de Chávez, embora a grande maioria tem sido críticos. E, no último fim de semana, o The New York Times, na sua seção Resumo da Semana(Summary of the Week), publicou a visão neoliberal conservadora, representada por Moises Naim, junto ao do próprio Weisbrot Marcos, Diretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política, de Washington, que discordou dos dados apresentados por Naim, apresentando uma realidade menos catastrófico, que a descrita por Naim.
Bem, os desafio a contar as vezes que apareceram artigos críticos ao presidente Chávez na mídia espanhola e compará-los com o número de artigos favoráveis. Veram que não apareceu um único artigo. Inclusive El País, o jornal que é considerado liberal (e que apor mera coerência ideológica deveria estar aberto a opiniões divergentes, mesmo críticas de seus editoriais), tem publicado virulentas críticas , do Sr. Moises Naim ( entre muitos outros artigos como os de Martio Vargas Llosa, ) ao governo de Chávez , sem nunca, repito, nunca, publicar um artigo favorável a tal governo.
E é aí que reside um dos pontos mais vulneráveis e defeituosos da chamada democracia espanhola: o monopólio mídiático dos interesses conservadores no sistema de informação espanhol. E este monopólio representa um custo muito alto para a democracia espanhola. Não só impede que a população seja bem informada, oferecendo uma ampla variedade de posições em seus meios, mas também reduz a qualidade do debate político, pois as vozes conservadoras-liberais, conscientes da falta de crítica de suas posições, e donas, portanto, de uma imunidade intelectual, dizem e sustentam argumentos baseados em dados que são facilmente demonstráveis como falsos.
Vejamos, por exemplo, a crítica de Moisés Naim, que foi, aliás, um dos arquitetos das políticas de austeridade do governo de Carlos Andrés Pérez, durante o período 1989-1990, como ministro da Indústria, quando em 1989, ocorreu o Caracazo onde o governo disparou contra civis que protestavam contra as políticas de austeridade, assassinando mais de 3.000 venezuelanos. Este autor, que em sua coluna no El País se apresenta, paradoxalmente, como o grande defensor dos direitos humanos, tem sido uma voz supercrítica do governo Chávez , promovendo as políticas do Departamente de Estado dos EUA, o que explica sua alta visibilidade nos meios de comunicação internacional subjugados à hegemonia do governo federal dos EUA.
Em seus últimos escritos, Moises Naim, vem divulgando uma visão, também transmitida pelo governo federal dos EUA, de que o governo de Chávez levou a Venezuela ao desastre, criando um déficit que, segundo ele, representa 20 % do PIB, com a criação de um setor público inchado que sufocou a economia venezuelana, criou uma dívida pública que é dez vezes o que era em 2003, criou um sistema bancário que está entrando em colapso, e uma indústria petrolífera nacionalizada (que é a maior fonte de receitas para o Estado) que está em acentuado declínio, e uma longa lista de "calamidades". Como na Espanha não há nenhuma possibilidade de que os meios de comunicação publiquem análises críticas de tais alegações, resulta que a população fica mal informada e acredita que a Venezuela está numa situação de crise e colapso.
Se eles tivessem sido publicado na Espanha, por exemplo, as respostas de Mark Weisbrot, publicadas no The New York Times e The Guardian, que poderiam ver o grau de exagero e falsidades contidas nos dados apresentados por Moises Naim. Mark Weisbrot é um dos economistas mais credíveis em questões econômicas internacionais nos EUA. Vamos aos dados: o Déficit Público da Venezuela representa, de acordo com o Fundo Monetário Internacional, não 20% do PIB, mas 7,4%. Quanto à alegada hipertrofia dívida pública na Venezuela, esta representa 51,3% do PIB, um percentual que é menor que a média da dívida pública da União Europeia (82,5% do PIB), e menor que a meta aspirada pela UE (60% do PIB). Quanto ao colapso da indústria do petróleo, a produção de petróleo de referência são os países produtores de petróleo, de acordo com a Opep. E o declínio nas exportações de petróleo para os EUA responde a uma decisão política do governo de Chávez, que busca diversificar suas exportações e focando-os num pequeno número de países. Tal redução das exportações para os EUA não tem nada a ver com qualquer colapso, que é inexistente, na indústria do petróleo venezuelano . Tal manipulação e falsidade é constatada quando Moisés Naim também fala de hipertrofia do setor público. De fato, e como mostra Mark Weisbrot (da qual extrai esta informação), o percentual do emprego público na Venezuela é de cerca de 18,4% da população ocupada, que é menor do que na França, Finlândia, Dinamarca, Suécia e Noruega.
Mark Weisbrot também observou alguns dos pontos fracos da economia venezuelana, como a inflação alta, um problema generalizado na América Latina. No entanto, mesmo nesta situação problemática, o governo Chávez tem sido capaz de reduzir a inflação de 28,2% para 18%, redução que foi alcançada, apesar de um grande aumento nos gastos públicos e, principalmente, do gasto público social. Durante os últimos dez anos, o governo aumentou tal gastos em 60%, expandindo significativamente seu muito insuficiente Estado de Bem Estar Social venezuelano, que causou sua grande popularidade entre as classes populares. Como tem documentado os cientistas sociais de grande credibilidade internacional, os professores Charles Muntaner (Universidade de Toronto), Joan Benach e Maria Páez Victor (Universidade Pompeu Fabra), a pobreza passou de 71% da população em 1996 para 21% em 2010, com redução acentuada da pobreza extrema, que passou de 40% em 1996 para 7,3% em 2010 (ver o artigo "As realizações de Hugo Chávez e da Revolução bolivariana " de Charles Muntaner, Benach Joan e Páez Maria Victor).
É, portanto, lógico e previsível que Hugo Chávez e do partido que lidera, em eleições democráticas (em que, aliás, a grande maioria dos meios de comunicação venezuelana, controlados por grupos mídiáticos conservadores e neoliberais , eram contra), ganhou 13 das 14 eleições nacionais. Todos esses dados não aparecem nos meios de comunicação mais difundidos na Espanha, onde é, maliciosamente, demonizado o governo de Chavez. As causas desta demonização são fáceis de entender. Primeiro, a Venezuela é agora país com as maiores reservas de petróleo. Os governos dos EUA e europeus que apóiam regimes feudais do Oriente Médio para garantir a provisão de tal recurso ( o petróleo), agora querem a morte, se opõem a um governo que quer servir as necessidades da sua população, e que não aceita ser, como o são os regimes feudais, mero servo dos interesses americanos e europeus(grifos meus),
A segunda causa é que a América Latina tem sido governada por longos períodos de governos neoliberais como ao que serviu Moises Naim, que ampliaram a pobreza de suas populações de uma forma muito notável. Isso criou uma resposta com protestos que levaram ao estabelecimento, por meios democráticos, de governos reformistas de esquerda, não só na Venezuela, mas também no Equador, Bolívia, Argentina e Uruguai, entre outros (que aparecem como bestas negras), e eleição após eleição, continuam a ser reeleitos. Daí a grande adversidade, pois parte de sua vocação reformista é baseada em quebrar os monopólios da mídia que controlam a informação no continente. Porém sobre isto o leitor espanhol não é informado.”
(*) Vicente Navarro é Catedrático de Políticas Públicas. Universidade Pompeu Fabra, e Professor de Políticas Públicas. The Johns Hopkins University.
Fonte: Rebelion.org – Tradução, revisão e adaptação: Valdir silveira.
Vicenç Navarro é Catedrático de Políticas Públicas. Universidad Pompeu Fabra, e Profesor de Políticas Públicas. The Johns Hopkins University.
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