A Guerra Fria acabou
Amy Goodman(*)
A política sem êxito dos Estados Unidos
contra Cuba, que fechou por mais de meio século, as relações entre estes países
vizinhos e infligiu danos a várias gerações do povo cubano, poderia finalmente estar chegando ao fim.
Alan Gross, um empreiteiro do governo norte-americano condenado em Cuba por
espionagem, foi libertado depois de cinco anos de prisão. Outra pessoa, não
identificada, presa em Cuba há vinte anos por espionar para os Estados Unidos, também
foi libertada. Este acontecimento foi manchete em todo o mundo. Não tão bem
explicado na mídia norte-americana foi a libertação de três prisioneiros
cubanos nos Estados Unidos. Os três membros do Cinco de Cuba que ainda estavam
presos. Os Cinco foram presos no final de 1990 sob a acusação de espionagem,
mas eles não estavam espionando o governo dos EUA. Eles estavam em Miami, a fim
de se infiltrar nos grupos paramilitares cubano-americanos ali instalados, com
a finalidade de fazer a destituição violenta do governo cubano.
O presidente Barack Obama ao anunciar
oficialmente a noticia disse que “ esta não é uma simples troca de
prisioneiros. Hoje, os Estados Unidos está mudando a sua relação com o povo de
Cuba. Estamos produzindo as mudanças mais significativas da nossa política em
relação a Cuba, em mais de 50 anos. Vamos terminar a abordagem ultrapassada que
durante décadas não conseguiu promover nossos interesses e, em vez disso,
começar a normalizar as relações entre os nossos dois países. Através destas
mudanças, temos a intenção de criar mais oportunidades para o povo americano e
ao povo cubano e iniciar um novo capítulo entre os países das Américas. Instruí
o secretário [de Estado John] Kerry para começar imediatamente o diálogo com
Cuba para restabelecer as relações diplomáticas que foram interrompidas em
janeiro de 1961 ".
Foi o Presidente Dwight
Eisenhower, quem rompeu relações com Cuba em 3 de janeiro de 1961, dois anos
após Fidel Castro tomar o poder. Mais tarde, o presidente John F. Kennedy
estendeu o bloqueio. Poucos meses depois de Kennedy tomar posse, houve a
invasão CIA na Baía dos Porcos, com a intenção de derrubar o governo de Fidel
Castro, teve um resultado desastroso. É universalmente considerada como um dos
maiores fiascos militares da era moderna. Dezenas de pessoas foram mortas e
mais de 1200 mercenários da CIA foram presos em Cuba.
Cuba tornou-se uma zona quente,
especialmente quando a União Soviética tentou colocar mísseis nucleares de
curto alcance na ilha, o que precipitou a chamada Crise dos Mísseis em outubro
de 1962. Este episódio foi amplamente considerado como o mais próximo que têm estado
essas duas potências mundiais em envolver-se numa guerra nuclear. Os Estados
Unidos também tentou assassinar Fidel Castro. Enquanto um Comitê do Senado dos Estados Unidos
identificou oito tentativas desse tipo, Fabián Escalante, ex-chefe da
contra-espionagem cubana, descobriu pelo menos 638 tentativas de assassinato.
A Revolução Cubana tem seus
detratores, mas a transformação da vida cotidiana alí não pode ser negada. Ao
longo da década de 1950, durante o governo do ditador Fulgencio Batista, a
maioria dos cubanos sofreram extrema pobreza, com pouco acesso a educação, saúde
e empregos bem remunerados. O regime de Batista foi brutal, com prisões
arbitrárias, torturas e execuções. Batista aliou-se com a máfia americana, se
beneficiando pessoalmente da corrupção generalizada, especialmente dos
suntuosos hotéis e cassinos de Havana. Atualmente, os cubanos desfrutam da
mesma expectativa de vida que os seus vizinhos dos EUA e tem a mais baixa taxa de mortalidade infantil . Cuba tem uma
das mais altas taxas de alfabetização do mundo, superada apenas pela Finlândia,
Dinamarca, Nova Zelândia e Austrália, de acordo com o Programa de
Desenvolvimento das Nações Unidas, o que coloca os EUA em 21º lugar no ranking
mundial, dois níveis sobre o Cazaquistão. Cuba, frequentemente atingida por
furacões, desenvolveu um dos melhores sistemas de saúde de resposta aos
desastres naturais em todo o mundo. Recentemente enviou 250 médicos à África
Ocidental para combater o Ébola. No ano de 2005, o então presidente Fidel
Castro se ofereceu enviar 1500 médicos
aos EUA após o furacão Katrina.
O governo de George W. Bush nunca respondeu.
O bloqueio tem sido por muito
tempo a política eleitoral dos EUA, já que a comunidade cubana em Miami, boa parte da
qual é histórico e resolutamente anti-castrista, foi considerada crucial para
ganhar o estado da Flórida, numa eleição presidencial.
Miami também serviu como um
refúgio para os grupos terroristas anti-castristas.
Em 1976, um ataque terrorista
explodiu um avião da Aviação Cubana. O avião explodiu no ar e as 73 pessoas a
bordo morreram instantaneamente. Em 1997, uma série de atentados em hotéis de
Havana causou a morte de um turista italiano. O ex-agente da CIA Luis Posada
Carriles reconheceu seu envolvimento nos atentados em hotéis e há evidências
ligando-o fortemente com o bombardeio do
avião. Os Cinco de Cuba foram condenados por investigar as atividades
terroristas destes homens e grupos sem fins lucrativos que lhes serviam de
apoio, como a Fundação Nacional Cubano-Americana e Irmãos para o Resgate.
Posada Carriles vive atualmente na Flórida como um homem livre.
A Guerra Fria acabou. O governo
de Cuba é comunista, assim também o são os governos da China e do Vietname, com
o qual os Estados Unidos mantêm fortes laços. Os onze milhões de cidadãos de
Cuba, e todos os que vivem aqui, nos EUA, merecem um vínculo fluido e aberto
como vizinhos, na base da igualdade e enraizada na paz.
(*)Amy Goodman: Democracy Now.
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