Um livro com a chancela de
MacCarthy
Milhares de nazis ucranianos conseguiram entrar nos Estados Unidos
após a II Guerra Mundial. Durante o período MacCarthy, testemunharam na
qualidade de vítimas da «barbárie comunista». Relançaram a fábula da
fome-genocídio num livro em dois volumes, Black
Deeds of the Kremlin, publicados em 1953 e 1955, sob edição da «Associação
Ucraniana das Vítimas do Terror Comunista Russo» e da «Organização Democrática
dos Ucranianos Perseguidos sob o Regime Soviético». Neste livro, caro a Robert
Conquest que o cita abundantemente, encontramos a glorificação de Petliúra,6 responsável pelo massacre de várias dezenas de milhares de judeus
entre 1918-1920, e uma homenagem a Chukhévitch,7 o comandante nazi do batalhão Rossignol e do Exército Insurrecional
Ucraniano.
Black Deeds of the Kremlin contém também uma série de fotos da fome-genocídio de 1932-33. Todas
falsas. Deliberadamente falsas. Uma imagem, intitulada
«Pequeno canibal», provém do Information
n.º 22, do Comitê Internacional de Ajuda à
Rússia, publicado em 1922, onde a foto tem como legenda «Canibal de Zaporóje: ele comeu a irmã». Na página
155, Black Deeds inclui uma foto de quatro soldados e um oficial que acabam de executar
homens. Título: «A execução dos kulaques». Detalhe: os soldados vestem o uniforme tsarista! E assim nos
mostram execuções tsaristas como prova dos «crimes de Stáline.»8
Um dos
autores do volume I é Alexandre Hay-Holowko, que foi ministro da
Propaganda
no governo da Organização dos Nacionalistas Ucranianos de Bandera,9
Durante a sua breve existência, este governo matou vários milhares de
judeus, polacos e bolcheviques em Lvov.
Entre as pessoas citadas como «apoiantes» deste livro está
Bilotserkiwsky, aliás Anton Chpak, um antigo oficial da polícia nazi em Bila
Tserkva, onde, segundo o testemunho do escrivão Skrybnyak, dirigiu o extermínio
de dois mil civis.10
Entre 1 e 15 milhões de mortos
Em Janeiro de 1964, o professor Dana Dalrymple publicou o artigo «A
fome soviética de 1932-34», no Soviet
Studies, onde alega que houve 5,5 milhões de mortos, a
média de 20 estimativas de diversos autores.
Uma questão
coloca-se de imediato: em que fontes se baseiam as «estimativas» do
professor?
A primeira fonte é Thomas Walker, o homem da falsa viagem à Ucrânia, o
qual,
segundo Dalrymple, «falava provavelmente o russo»! A segunda fonte:
Nicholas
Prychodko,
um emigrado de extrema-direita, que foi ministro da Cultura e da Educação da
Ucrânia durante a ocupação nazi! Cita o número de sete milhões de mortos.
Em seguida
vem Otto Schiller, funcionário nazi, encarregado da reorganização da
agricultura
na Ucrânia, sob a ocupação dos hitlerianos. Dalrymple cita o seu texto
publicado em Berlim, em 1943, onde estabelece o número de mortos em
7,5 milhões.
A quarta fonte é Ewald Ammende, o nazi que esteve pela última vez na
Rússia em
1922. Em duas cartas publicadas em Julho e Agosto de 1934, no The New York Times, Ammende fala de
7,5 milhões de mortos e afirma que, em Julho, as pessoas morriam nas ruas de
Kíev. Alguns dias mais tarde, o correspondente deste jornal nova-iorquino, Harold
Denny, desmentiu as informações de Ammende.
«O vosso correspondente esteve em Kíev durante vários dias em
Julho último, no
momento em que supostamente as pessoas morriam, mas nem na
cidade nem nos campos em redor havia fome.» Algumas
semanas mais tarde Harold Denny regressou ao tema: «Em nenhuma parte reinava a fome. Em
nenhuma parte havia o receio de fome.
Havia comida, inclusive pão, nos mercados locais. Os
camponeses sorriam e eram
generosos com os alimentos.»11
Segue-se Frederick Birchall, que refere mais de quatro milhões de
mortos num artigo de 1933. Nessa altura, Birchall foi um dos primeiros
jornalistas americanos em Berlim a exprimir a sua simpatia pelo regime
hitleriano.
William H. Chamberlain é a sexta e a sétima fonte e Eugene Lyons a
oitava.
Chamberlain começa por falar em quatro milhões, mas mais à frente cita
os 7,5 milhões de mortos determinados «segundo estimativas de residentes
estrangeiros na Ucrânia», simplesmente. Os cinco milhões de mortos de Lyons são
também fruto de boatos e rumores, «estimativas de estrangeiros e de russos em
Moscovo»! Chamberlain e Lyons eram dois anticomunistas profissionais.
Tornaram-se
membros do comitê de direção do «Comitê Americano para a Libertação do
Bolchevismo», que era financiado em 90 por cento pela CIA. Este comité dirigia
a Radio Liberty.
O número mais elevado, dez milhões, foi fornecido sem explicações por
Richard Sallet na imprensa pró-nazi de Hearst. Em 1932, a população
propriamente ucraniana era de 25 milhões de habitantes...12
Entre as 20 fontes do trabalho «académico» do senhor Dalrymple, três
tinham origem na imprensa pró-nazi e cinco em publicações de direita dos anos
McCarthy (1949-1953).
Dalrymple
utiliza dois autores fascistas alemães, um antigo colaboracionista nazi
ucraniano, um emigrado russo de direita, dois agentes da CIA e um
jornalista
simpatizante de Hitler. Um grande número de dados foi fornecido por
vagos «residentes estrangeiros na União Soviética» não identificados.
As duas
estimativas mais baixas datadas de 1933 vêm de jornalistas americanos
colocados em Moscovo e conhecidos pelo seu rigor profissional, Ralph
Barnes, do New York Herald Tribune, e Walter Duranty, do New York
Times. O primeiro fala de um milhão, o segundo de dois milhões de mortos pela
fome.
Para apoiar
a sua nova cruzada anticomunista e justificar a corrida louca aos
armamentos, Reagan estimulou uma grande campanha sobre o «50.º
Aniversário da Fome-Genocídio na Ucrânia» em 1983. Era preciso provas de que o
comunismo é o genocídio para tornar sensível a ameaça terrível que pesava sobre
o Ocidente. Essas provas serão fornecidas pelos nazis e seus colaboradores.
Dois professores norteamericanos deram-lhes cobertura com a sua autoridade
académica: James E. Mace, de Harvard, co-autor de Famine in the Soviet Ukraine, e Walter Dushnyck, que escreveu Há 50 anos: O Holocausto pela Fome na
Ucrânia. Terror e Miséria como Instrumento do Imperialismo Russo Soviético, prefaciado por Dana Dalrymple.
A obra de
Mace inclui 44 fotografias «da fome-genocídio de 1932-1933». Vinte e
quatro são extraídas de duas obras nazis escritas por Laubenheimer. Esse
último atribui a maior parte das imagens a Ditloff e começa a exposição com uma
citação
do Mein Kampf: «Se o judeu, graças à sua religião marxista, conseguir vencer
os outros povos deste
mundo, a sua coroa será a coroa funerária da humanidade e o planeta evoluirá no universo, como há milhões de anos,
sem seres humanos.» Todas as fotos de Laubenheimer-Ditloff são
falsificações provenientes da I Guerra Mundial e da fome de 1921-1922!13
O segundo professor, Dushnyck, foi identificado como quadro da Organização
Nacionalista Ucraniana, de obediência fascista, ativo desde o final dos anos 30.
Cálculo científico...
Dushnyck inventou um método «científico» para calcular as mortes da «fome
genocida» e Mace o seguiu nesta linha. «Se
compararmos os dados do recenseamento de 1926 (...) com os do recenseamento de 17 de Janeiro de
1939 (...) e levarmos em conta o aumento médio da população antes da coletivização (2,36
por cento), podemos calcular
que a Ucrânia (...) perdeu 7,5 milhões de pessoas entre os dois recenseamentos.»14
Estes cálculos não valem absolutamente nada. A I Guerra Mundial, as
guerras civis
e a grande fome 1920-1922 provocaram uma redução da natalidade; ora, a
nova geração atingiu os 16 anos, a idade da procriação, precisamente a partir
de 1930. A estrutura da população tinha assim necessariamente de conduzir a uma
queda da natalidade durante os anos 30.
O aborto livre também provocou uma redução notória da natalidade nos
30, a ponto de o governo o ter suspendido em 1936 com o objetivo de aumentar a
população.
Os anos 1929-1933 caracterizaram-se por grandes e violentas lutas no
campo, que
foram
acompanhadas por momentos de fome. Tais condições econômicas e sociais
provocaram uma queda das taxas de natalidade. Também o número de
pessoas
registradas como ucranianas se alterou devido aos casamentos
interétnicos, às mudanças de nacionalidade e às migrações.
Para além disso, as fronteiras da Ucrânia não eram as mesmas em 1929 e
em 1926. Os cossacos do Kuban, entre dois a três milhões de pessoas, foram
recenseados como ucranianos em 1926 e reclassificados como russos no final da
década de 20. Só por si, esta nova classificação explica 25 a 40 por cento das
«vítimas da fome-genocídio» calculadas por Dushnyck-Mace.15
Acrescentemos que a população da Ucrânia, segundo os números oficiais,
aumentou três milhões e 339 mil pessoas entre 1926 e 1939. Compare-se este
crescimento com a evolução da população judaica que foi sujeita a um real
genocídio organizado pelos nazis...16
Para testar a validade do «método Dushnyck», Douglas Tottle fez um
exercício sobre a província de Saskatchewan, no Canadá, onde decorreram grandes
lutas camponesas nos anos 30. A repressão foi em geral sangrenta. Tottle
propôs-se «calcular» as vítimas da «repressão-genocídio» praticada pelo
exército burguês canadiano na província de Saskatchewan:
População em
1931: 921 785
Crescimento
em 1921-1931: 22%
Projecção da
população em 1941: 1 124 578
População
real em 1941: 895 992
Vítimas da
repressão-genocídio: 228 586
Vítimas em
percentagem de 1931: 25%
Este «método
científico» aplicado ao Canadá seria qualificado por qualquer homem
razoável de farsa grotesca; no entanto, aplicado à União Soviética é
largamente utilizado nas publicações da direita como uma «prova» do terror
«stalinista». ( CONTINUA...)
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