2 CIÊNCIA PRECAUCIONÁRIA COMO ALTERNATIVA
AO REDUCIONISMO CIENTÍFICO APLICADO À BIOLOGIA MOLECULAR
Rubens Onofre Nodari
Introdução
O século 20 foi marcado por
muitos fatos. Um deles foi o aumento da manipulação do mundo físico com o
avanço científico tecnológico.
Particularmente na área da biologia, a influência de físicos da visão
reducionista promoveu uma verdadeira corrida para transformar uma ciência
complexa e plena de interações em poucas e fortes forças. Um dos resultados foi
o avanço tecnológico.
Outro foi a grande contribuição
que essas tecnologias promoveram para o desastre ambiental que estamos
presenciando. O reducionismo como método científico consiste em decompor o todo
em suas partes constituintes, até suas últimas e menores partes possíveis.
Tradicionalmente, o reducionismo determinista vai mais longe, pois isola do
ambiente exterior estas menores partes, que compõem um todo, além de lhes
atribuir propriedades e poderes, tais como explicar fenômenos complexos ou ser
solução para problemas globais centenários.
Há muitos exemplos de
reducionismo científico, mas apenas dois deles serão objeto de análise deste
artigo: o poder e as propriedades dados ao DNA1 e o uso da tecnologia do DNA recombinante
(também chamada de engenharia genética) como ferramenta de soluções de muitos
problemas.
O início da biologia molecular e
a engenharia genética
As técnicas do DNA recombinante
foram desenvolvidas no início dos anos 1970, decorrentes de visões, técnicas e
descobertas da biologia molecular. Por sua vez, uma significativa parte
dabiologia molecular, teve seu desenvolvimento muito antes, baseado na visão
reducionista e determinística de Max Mason e Warren Weaver, da Rockefeller
Foundation (REGAL, 1996). Hoje, consegue-se entender que esses pesquisadores usaram
os recursos financeiros e políticos da Rockefeller Foundation para tornar moda e
promover uma nova filosofia e novas práticas para a biologia.
Segundo Philip Regal, esta nova
biologia deveria ser baseada em agendas filosoficamente reducionistas, já sugeridas
anteriormente por Hermann Muller e Jacques Loeb. Para esta visão, a biologia deveria
tornar-se “a química do gene”.
Para tanto, Max Mason e Warren
Weaver refugiaram-se da física quântica. Eles transplantaram os sonhos
reducionistas/ deterministas que consideravam ser “ciência verdadeira” para a nova
biologia. Assim, eles não somente patrocinaram técnicas analíticas novas e
poderosas para encontrar e caracterizar o material hereditário. Também
encorajaram a comunidade científica a usar o reducionismo/determinismo e termos
utópicos nos discursos quando da submissão de projetos (ABIR-AM, 1987; REGAL,
1989). Desde então, dois grupos principais de cientistas biologistas se
formaram. O primeiro grupo, de cientistas biológicos tradicionais,
caracteriza-se por ter uma visão holística e realiza investigações em
estrutura, fisiologia, evolução, comportamento, adaptação e ecologia, entre
outros, de diversas formas de vida. A concepção intelectual e filosófica
baseia-se nos anatomistas, melhoristas, naturalistas e fisiologistas dos
séculos 18 e 19, que estudavam os organismos em seus hábitats naturais e
nos laboratórios (REGAL, 1996), ou seja, a pesquisa científica pode ser conduzida
sob um pluralismo de estratégias, não apenas aquelas que se encaixam na
abordagem descontextualizada, mas outras que permitem investigação empírica que
levam completamente em conta as dimensões ecológicas, experimentais, sociais e culturais
de fenômenos e práticas (como a agroecologia). Esta é a reivindicação do
pluralismo metodológico (LACEY, 2005).
O segundo grupo, formado por
biólogos moleculares, conduz pesquisas na natureza química da genética e
síntese de proteínas, e prometem que um dia a biologia tradicional tornar-se- á
obsoleta e a biologia será reconstruída por eles. As raízes da concepção
intelectual remontam, em sua grande parte, na química e na física. Estes
cientistas advogam que usam a “verdadeira estratégia para estudar a vida”
(REGAL, 1996). Também advogam que o conhecimento reside nos argumentos
reducionistas e que desenvolvem conhecimento relacionado à química da
substância básica da vida. Neste caso, essas metodologias descontextualizam os
fenômenos, ignorando os seus contextos ecológicos, sociais e humanos, e (no
caso dos fenômenos biológicos e humanos) os reduzem às suas estruturas e aos
seus mecanismos físico-químicos subjacentes (LACEY, 2005). O autor chama-as de
metodologias descontextualizadas/reducionistas.
Pelo sonho da filosofia
reducionista espera-se que um dia todo o conhecimento seja unificado e reduzido
a conceitos das ciências físicas e limitado a simples modelos determinísticos preditivos
que permitirão o controle da natureza física, orgânica e humana. Para tal, esta
tentativa inclui a redução das ciências sociais à biologia e esta à química,
que por sua vez será reduzida à física, que, sim, pode prever precisamente, com
simples modelos determinísticos, todos os níveis da vida e sua organização.
Esta filosofia reducionista foi
difundida em muitas partes do mundo. Os laboratórios apoiados pela Rockefeller
Foundation não estavam só nos Estados Unidos. Para citar apenas um país fora os
Estados Unidos, três casos foram detalhadamente estudados na Inglaterra:
fisiologia celular, no Molteno Institute em Cambridge; estrutura de proteínas,
no Cavendish Laboratory, também em Cambridge; e biofísica, no King’s College,
Londres. Todos estes estiveram ligados ao surgimento da biologia molecular e
ilustram os impactos e os limites da filantropia na inovação científica (ABIR-AM,
2002).
Sistematicamente, desde há muito
tempo, os promotores e praticantes do reducionismo/determinismo prometeram determinar
a estrutura do gene e usar esta informação para corrigir problemas sociais e
morais, incluindo crime, pobreza, fome e instabilidade política. Nesse contexto
da teoria reducionista, seria lógico que problemas sociais poderiam
simplesmente ser reduzidos a problemas biológicos e, assim, corrigidos por meio
de manipulações de DNA, órgãos e solo, por exemplo.
Dentre os muitos, dois exemplos
são emblemáticos de que o reducionismo/determinismo não resolve os problemas da
humanidade. O primeiro refere-se às promessas sequenciais de resolver problemas
de saúde humana com o uso de técnicas de biologia molecular. O segundo é o não
cumprimento da promessa de diminuir a fome do mundo com a produção de plantas transgênicas,
uma das aplicações da engenharia genética.
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