Promessas não cumpridas pelo determinismo
Para ilustrar quão eficiente é o
uso de estratégias reducionistas/determinísticas na solução de problemas
complexos, serão abordados dois exemplos.
A promessa de cura da fibrose
cística foi feita em 8 de setembro de 1989, quando cientistas “descobriram” o
gene que causaria esta doença. Tal feito, contemplado com três artigos científicos,
mereceu também a capa da Revista Science (v. 245, n. 4922, 1989), considerada
uma das mais respeitadas do mundo. No vigésimo aniversário desta promessa, um
novo artigo na mesma revista Science faz um balanço da evolução do conhecimento
sobre a doença (Science, 19 jun. 2009, p. 1504-1507). Mesmo após muito
trabalho, nem mesmo uma única terapia baseada no gene da fibrose cística,
descoberto 20 anos antes, alcançou o mercado. Alguns tratamentos promissores na
visão dos cientistas, especialmente os de terapia gênica, demonstraram ser extremamente
desencorajadores.
O esforço de cientistas que procuraram aplicar
a terapia genética conseguiu resposta em apenas 1% das células provocadas.
O artigo da Science (2009)
ilustra ainda que distintas pessoas com uma mesma mutação para a doença
apresentavam sintomas diferentes. Mais do que isso, estima-se que mais de 1.500
tipos de mutações diferentes podem causar a mesma doença. Além disso, outros
genes que igualmente produzem os mesmos sintomas foram descobertos, bem como a
associação com outras doenças.
O fato de ter ocorrido um
conjunto significativo de avanços científicos com a fibrose cística tem dois
significados principais.
O primeiro é o de que não é
possível generalizar: uma doença um gene. Segundo, em biologia as interações
são uma regra e a complexidade, e não a simplificação, embora difícil de ser estudada,
deve ser tomada como premissa básica.
Apostar no
reducionismo/determinismo genético leva a outras consequências dramáticas,
inclusive de natureza econômica. Na última semana de novembro, tanto a Science (v. 326, p. 1172, 2009) como a Nature (v. 462, p. 401, 2009) e os principais
jornais internacionais reportaram a falência da empresa deCODE Genetics Inc., criada em 2003 para procurar mutações causadoras
de doenças em humanos, usando a população da Islândia como base de estudos.
Seis anos depois, nenhum produto havia sido comercializado. O fracasso da
empresa sugere que a promessa de aplicações médicas para o genoma humano está levando
mais tempo do que seus patrocinadores esperavam.
Porém, independentemente de qualquer
erro da deCODE em sua estratégia de
negócios, a principal razão para sua derrocada foi científica − a natureza
genética de doenças acabou se revelando muito mais complexa do que se
imaginava.
Na verdade, muitos pensadores
biólogos têm alertado sistematicamente a respeito da inadequação de estratégias
reducionistas na abordagem de doenças em humanos (ex.: LEWONTIN, 2000), já que
pouquíssimas dessas doenças têm base puramente mendeliana2 (JABLONKA e LAMB,
2006).
A outra promessa foi o aumento de
rendimento e de produção para diminuir a fome do mundo, feita nos anos 1990, como
uma das justificativas para o uso da engenharia genética no desenvolvimento de
plantas transgênicas. Decorridos 15 anos desde os primeiros cultivos com
plantas transgênicas a situação da fome no mundo agravou-se. O número de pessoas
com fome, no mundo, passou de 850 para 925 milhões em 2007, comparativamente ao
período 2003-2005 (FAO, 2008). E o número de famintos está aumentando, pois a
FAO estimava que esse número alcançaria a cifra de 1.020 milhões em 2009.
Transformar um problema complexo caracterizado por muitos fatores – como acesso,
distribuição, custo ou mesmo preferência de alimentos − em um ou dois genes
inseridos em plantas não poderia chegar a outro resultado que não o fracasso no
cumprimento da promessa.
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