“pacifista, herói…” e carniceiro
Robert Fisk* :: 31.01.14
A reescrita da história pessoal de Ariel Sharon não representou apenas um branqueamento dos crimes de guerra de que foi responsável. Representou uma manobra de branqueamento de todos os aliados e apoiantes do colonialismo sionista, responsáveis – eles também – pela tragédia do povo palestino e de todo o Médio Oriente
Qualquer outro líder de Médio Oriente que sobrevivesse oito anos em coma ter-se-ia tornado um tema favorito para todos os cartoonistas do mundo. Hafez el-Assad teria aparecido no seu leito de morte ordenando ao seu filho que cometesse massacres; Khomeini teria sido desenhado exigindo mais execuções enquanto a sua vida se prolongava infinitamente. Mas à volta de Ariel Sharon – o carniceiro de Sabra e Chatila para qualquer palestino – foi estendido um silêncio quase sagrado.
Maldito em vida como assassino por não poucos soldados israelitas, bem como pelo mundo árabe – que tem sido bastante eficaz em massacrar o seu próprio povo nos anos recentes –, Sharon foi respeitado nos seus oito anos de morte virtual: nenhum cartoon sacrílego danou a sua reputação, e receberá sem dúvida o funeral de um herói e de um pacificador.
Assim reescrevemos a história. Com que rapidez os trampolineiros jornalistas de Washington e Nova Iorque retocaram a imagem deste homem brutal. Logo após ter enviado a milícia libanesa de estimação do seu exército aos campos de refugiados de Sabra e Chatila, em 1982, onde foram massacrados cerca de 1.700 palestinos, a própria investigação oficial realizada por Israel anunciou que a Sharon cabia responsabilidade “pessoal” por esse banho de sangue.
Fora ele quem dirigira a catastrófica invasão israelita de Líbano três meses antes, impingindo ao seu primeiro-ministro a mentira de que as suas forças só avançariam uns quilómetros para além da fronteira, e afinal sitiando Beirute, ao custo de umas 17 mil vidas. Mas, reascendendo lentamente a perigosa escadaria política israelita, ressurgiu como primeiro-ministro, autorizando os assentamentos judeus na faixa de Gaza e portanto, em palavras do seu próprio porta-voz, colocando em “formaldeído” qualquer esperança de um Estado palestino.
Ao tempo da sua morte política e mental em 2006, Sharon – com a ajuda dos crimes de lesa humanidade de 2001 nos Estados Unidos e da afirmação, falsa mas com sucesso, de que Arafat tinha apoiado Bin Laden – convertera-se nem mais nem menos que num pacificador, enquanto Arafat, que fez mais concessões às reivindicações israelitas que qualquer outro dirigente palestino, era retratado como um superterrorista. O mundo esqueceu que Sharon se opôs ao tratado de paz de 1979 com o Egipto, votou contra uma retirada do sul de Líbano em 1985, se opôs à participação israelita na conferência de paz de 1991 en Madrid e ao voto do plenário do Knesset a favor dos acordos de Oslo de 1993, se absteve numa votação pela paz com a Jordânia no ano seguinte e votou contra o acordo de Hebron en 1997. Condenou o método de retirada de Israel do Líbano em 2000 e em 2002 tinha construído 34 novos colonatos judeus ilegais em terra árabe.
¡Um verdadeiro pacificador! Quando um piloto israelita bombardeou um bloco de apartamentos em Gaza, matando nove crianças juntamente com o seu objectivo do Hamas, Sharon descreveu a operação como um “grande êxito”, e os estadunidenses calaram-se, porque ele arranjou forma de intrujar os seus aliados ocidentais com a delirante noção de que o conflito israelo-palestino era parte da monstruosa batalha de George W. Bush contra o “terror mundial”, de que Arafat era um Bin Laden e de que a última guerra colonial do planeta era parte do confronto cósmico do extremismo religioso.
A pasmosa – e noutras circunstâncias, hilariante – resposta política perante a sua conduta foi a afirmação de Bush de que Ariel Sharon era um “homem de paz”. Quando chegou a primeiro-ministro os perfis nos media não destacavam a crueldade de Sharon, mas o seu “pragmatismo”, recordando insistentemente que era conhecido como O Buldózer.
E, evidentemente, buldózeres de verdade continuarão a limpar terreno árabe para colonatos judeus por muitos anos depois da morte de Sharon, garantindo dessa forma que nunca – por nunca ser - haverá um Estado palestino.
12.01.2014
*Robert Fisk é o correspondente do diário britânico The Independent no Médio Oriente
Maldito em vida como assassino por não poucos soldados israelitas, bem como pelo mundo árabe – que tem sido bastante eficaz em massacrar o seu próprio povo nos anos recentes –, Sharon foi respeitado nos seus oito anos de morte virtual: nenhum cartoon sacrílego danou a sua reputação, e receberá sem dúvida o funeral de um herói e de um pacificador.
Assim reescrevemos a história. Com que rapidez os trampolineiros jornalistas de Washington e Nova Iorque retocaram a imagem deste homem brutal. Logo após ter enviado a milícia libanesa de estimação do seu exército aos campos de refugiados de Sabra e Chatila, em 1982, onde foram massacrados cerca de 1.700 palestinos, a própria investigação oficial realizada por Israel anunciou que a Sharon cabia responsabilidade “pessoal” por esse banho de sangue.
Fora ele quem dirigira a catastrófica invasão israelita de Líbano três meses antes, impingindo ao seu primeiro-ministro a mentira de que as suas forças só avançariam uns quilómetros para além da fronteira, e afinal sitiando Beirute, ao custo de umas 17 mil vidas. Mas, reascendendo lentamente a perigosa escadaria política israelita, ressurgiu como primeiro-ministro, autorizando os assentamentos judeus na faixa de Gaza e portanto, em palavras do seu próprio porta-voz, colocando em “formaldeído” qualquer esperança de um Estado palestino.
Ao tempo da sua morte política e mental em 2006, Sharon – com a ajuda dos crimes de lesa humanidade de 2001 nos Estados Unidos e da afirmação, falsa mas com sucesso, de que Arafat tinha apoiado Bin Laden – convertera-se nem mais nem menos que num pacificador, enquanto Arafat, que fez mais concessões às reivindicações israelitas que qualquer outro dirigente palestino, era retratado como um superterrorista. O mundo esqueceu que Sharon se opôs ao tratado de paz de 1979 com o Egipto, votou contra uma retirada do sul de Líbano em 1985, se opôs à participação israelita na conferência de paz de 1991 en Madrid e ao voto do plenário do Knesset a favor dos acordos de Oslo de 1993, se absteve numa votação pela paz com a Jordânia no ano seguinte e votou contra o acordo de Hebron en 1997. Condenou o método de retirada de Israel do Líbano em 2000 e em 2002 tinha construído 34 novos colonatos judeus ilegais em terra árabe.
¡Um verdadeiro pacificador! Quando um piloto israelita bombardeou um bloco de apartamentos em Gaza, matando nove crianças juntamente com o seu objectivo do Hamas, Sharon descreveu a operação como um “grande êxito”, e os estadunidenses calaram-se, porque ele arranjou forma de intrujar os seus aliados ocidentais com a delirante noção de que o conflito israelo-palestino era parte da monstruosa batalha de George W. Bush contra o “terror mundial”, de que Arafat era um Bin Laden e de que a última guerra colonial do planeta era parte do confronto cósmico do extremismo religioso.
A pasmosa – e noutras circunstâncias, hilariante – resposta política perante a sua conduta foi a afirmação de Bush de que Ariel Sharon era um “homem de paz”. Quando chegou a primeiro-ministro os perfis nos media não destacavam a crueldade de Sharon, mas o seu “pragmatismo”, recordando insistentemente que era conhecido como O Buldózer.
E, evidentemente, buldózeres de verdade continuarão a limpar terreno árabe para colonatos judeus por muitos anos depois da morte de Sharon, garantindo dessa forma que nunca – por nunca ser - haverá um Estado palestino.
12.01.2014
*Robert Fisk é o correspondente do diário britânico The Independent no Médio Oriente

O imperialismo, com os EUA e a França como as potências militarmente mais activas, prossegue a estratégia de reforço da sua dominação sobre o continente africano e de apropriação das suas riquezas. Às guerras desencadeadas já neste século juntam-se as que têm por palco a República Centro-Africana e o Sudão.
No fim dos anos 1960 o editor-chefe do London Daily Mirror, Hugh Cudlipp, atribuiu-me mais uma missão. Devia retornar à minha pátria, a Austrália, e "descobrir o que está por trás da sua face radiante". O Mirror fizera uma campanha incansável contra o apartheid na África do Sul, onde havia relatado o que estava por trás da sua "face radiante". Como australiano, eu fora bem recebido naquela fortaleza da supremacia branca. "Admiramos vocês aussies ", diziam as pessoas. "Vocês sabem como tratar os seus negros".