sexta-feira, 12 de julho de 2013

UM TEXTO PARA REFLEXÃO DOS ESQUERDISTAS BRASILEIROS


“As ameaças, a cultura e a coordenação repressiva
Nestor Kohan(*)

Nestas linhas limito-me a tornar públicos e denunciar factos pontuais que, por que não admiti-lo, me preocupam.
Na Argentina estamos acostumados à vigilância dos aparelhos de espionagem. Já fazem parte do "folclore político" nacional. Escutam-nos o telefone, lêem-nos os e-mails, fotografam-nos as assembléias, filmam-nos nas manifestações. Toda a gente sabe disso. Os casos recentes, tristemente célebres, do oficial de informações da polícia federal Américo Balbuena, infiltrado há mais de uma década na agência de notícias alternativa Rodolfo Walsh, assim como o "Projeto X" de espionagem da polícia sobre organizações populares, são apenas a ponta do iceberg. Isto é só o que veio à luz. E tudo o que não se vê? Só alguém muito ingênuo ou completamente desinformado pode imaginar que isto é resultado da "paranóia".

(...) Usam tecnologia de ponta, em grande parte proveniente de Israel. Interceptam mensagens, ouvem, vêem e, porque não, montam páginas e blogs na web.
Neste clima político têm surgido recentemente uma série de sites na internet destinados a combater as agências de comunicação alternativas. Aparecem com um ar "amador" de indivíduos isolados ou velhos reacionários. Mas, pela quantidade de informação que manipulam, o acompanhamento ao detalhe e data e hora dos movimentos sociais, partidos políticos e até mesmo pessoas, seria impossível para uma ou duas pessoas pudessem mantê-los como "amador". É evidente que existe um dispositivo por trás, uma organização de vigilância coletiva que tenta operar com informação sobre a opinião pública. Quem pense que isto é "paranóia" que continue mantendo a sua ingenuidade.
Numa dessas páginas, intitulada Catapulta, acusam-me, com nome e apelido, incluindo fotos minhas e capas de livros meus, de ser um "escritor guerrilheiro".  Veja-se http://www.catapulta.com.ar/?p=2629

Algum tempo depois da minha fotografia ter aparecido em "CONHECENDO O INIMIGO" de Catapulta, viajei para o México para um seminário internacional organizado pelo Partido do Trabalho (um partido legal e institucional, com representação parlamentar) e ao chegar ao aeroporto de Cidade do México agentes da INTERPOL retiveram o meu passaporte oficial e levaram-me para um gabinete. Não foi nada sério. Devolveram-me o passaporte. Por que fizeram isso? Nunca soube.
 Depois segui para Santiago do Chile para apresentar a edição chilena do meu mais recente livro sobre o pensamento teórico de Che Guevara e seus cadernos de leitura marxista. No aeroporto de Santiago, no momento de me carimbarem o passaporte começou extenso questionamento sobre o conteúdo das minhas aulas, os amigos chilenos que me iriam recebe, os contactos políticos e uma série infinita de perguntas muito detalhadas. Exigiam-me dados sobre as universidades que iria visitar. Saí desse interrogatório e perguntei a outros passageiros se lhes haviam feito perguntas. Ninguém que ia no mesmo vôo tinha sido questionado.
(...) 
Sabemos também que a classe dominante colombiana não ameaçou, assassinou e reprimiu apenas dentro de seu próprio país. Não há muito tempo, o intelectual e líder político Narciso Isa Conde, também membro do Movimento Continental Bolivariano, foi vitima de um atentado, felizmente frustrado, no seu país, a República Dominicana. Como faziam os militares argentinos de Videla e os chilenos de Pinochet, esta gente vigia, ameaça, mata e assassina mesmo para além de suas fronteiras.
Por isso deixei passar as (falsas) notas acusatórias dos serviços de informações de Catapulta. Não lhes prestei mais atenção que às "histórias" da Interpol no México e ao interrogatório raro e inesperado da polícia no Chile. Mas quando me encontro agora perante essa ridícula manobra da secreta militar colombiana, eu acho que é hora de a tornar pública. Porque aqui há uma coordenação repressiva. Essas "coincidências" não são acidentais. Exatamente  
Na sua nota macartista e fraudulenta não se salva nada. Eu sou acusado de "terrorista" por ter colaborado durante muitos anos com o Movimento Sem Terra (MST) do Brasil. Quem no seu perfeito juízo pensa hoje que os camponeses brasileiros são "terroristas"? Por trás dessas acusações não estará a espionagem dos EUA?
Os militares de Catapulta acusam-me de "terrorista" e "guerrilheiro" por ter colaborado por uma década com as mães da Praça de Maio (colaboração absolutamente gratuita, acrescento... para evitar mal-entendidos. Eu nunca cobrei um único centavo).
Os soldados na Colômbia acusam-me de "terrorista" por ter trabalhado ao lado dos agricultores no Brasil e sugerir que alcançar a paz na Colômbia é muito difícil devido ao terrorismo de estado da classe dominante.

Para além dos aspectos pessoais, quero fazer uma reflexão mínima sobre as perguntas do início. Desapareceu o Plano Condor? Já não há coordenação repressiva á escala continental? Será que os serviços de informações e os dispositivos de "segurança" (que palavra enganadora...) não passam informações, não coordenam a vigilância, não articulam a monitorização e não articulam a repressão?
As suas concepções, que, infelizmente, não ficaram limitadas ao passado, continuam a operar com objetivos precisos:
(1) Aniquilar, pela força, todos os movimentos sociais rebeldes, desde tímidos movimentos urbanos e rurais, que somente fazem propostas de reformas pontuais, até à guerrilha. TODOS SÃO INIMIGOS. Pois para eles todos são "terroristas".
(2) Isolar os rebeldes: o famoso "tirar a água ao peixe" que, nos anos 60 os franceses promoveram na Argélia e os norte-americanos no Vietname, doutrinas que desde então, são aplicadas ao pé da letra, na Nossa América. Que os rebeldes permaneçam sozinhos, isolados, sem que ninguém se pronuncie, sem que ninguém fale, sem que ninguém veja nada.
(3) Golpear a cultura da rebelião e o pensamento crítico, considerados como "núcleo central da doutrinação subversivo-terrorista" (segundo o teórico militar argentino Osiris G. Villegas: Guerra Revolucionaria Comunista [Buenos Aires, Pleamar,1963; primeira edição da Biblioteca do Oficial do Círculo Militar Argentino, 1962]). A cultura é o germe das revoluções... por isso, nesse aspecto deve-se vigiar, intimidar, bater e, se possível, aniquilar.
(4) Demonizar, satanizar e gerar terror entre os jovens, os estudantes, os intelectuais, os jornalistas, os advogados, os professores. Que ninguém fale! Que os escritores não se entusiasmem a escrever! Que ninguém investigue nada! Que os livros não circulem nem se leiam!
(5) Preparar o caminho para futuros assassinatos seletivos. Na Colômbia, eles vêm-no fazendo há décadas. A Triple A argentina (Aliança Anti-Comunista Argentina) começou assim, assinalando futuras vítimas. Ameaçando. "Identificando". Marcando.
Não quero ser pessimista. Desejo que as coisas mudem. Não gosto da cultura "dark", nem faço o culto da melancolia. Mas tão pouco sou ingênuo.
Não acredito que os aparelhos repressivos deste continente se tenham transformado em doces e inocentes carmelitas descalças. Na Argentina, com formas "democráticas" desapareceu Julio Lopez, uma testemunha contra os assassinos militares. Até hoje... "ninguém sabe nada".
Não acredito no sorriso hipócrita do presidente Obama. Quanto mais sorri, mais golpes de estado há. O que aconteceu nas Honduras? E no Paraguai? Será que se desmantelaram as novas bases militares dos EUA na Colômbia? Não, eu não acredito em Obama. É um loiro disfarçado de afrodescendente. É mais do mesmo. Seu multiculturalismo é uma mercadoria comercial que não tem nada a ver com o totalitarismo do seu american way of life que nos pretende impor de mil maneiras, cada dia mais subtis, incluindo vigilância, controle e repressão.
Eu não acredito no presidente Santos e no ex-presidente Uribe. Parece que entre eles se estão guerreando. A página da espionagem militar que me "marca" e me ameaça, crítica Santos, provavelmente em favor de Uribe. Não conheço a política interna da Colômbia nem me importa. Os nazis também lutaram entre si, mas na hora de matar, assassinavam todos juntos.
Quando descubro tais publicações ameaçadoras lembro-me de alguns velhos, amados e admirados desde a minha adolescência.
Jean-Paul Sartre, por exemplo, no meio da histeria colonialista francesa e européia, atreveu-se a defender os direitos á rebelião e revolta do povo argelino. Não eram demônios, tinham direitos, disse Sartre fumando o seu cachimbo. Não mereciam ser torturados, violados, assassinados. Sartre voltou-se contra todos, e continuou a defender os rebeldes. Ainda bem que o fez!
Bertrand Russel, velho, enrugado, completamente branco, admirador de Leibniz, amante da matemática e da lógica simbólica, superou as ameaças e não deixou um minuto de condenar a injusta guerra do Vietnam. Inclusive foi parar á prisão, mas continuou a exercer a solidariedade com a gente humilde e os povos rebeldes, brutalmente queimados e destruídos pelo NAPALM dos Marines USA(...).
Noam Chomsky, neurótico obsessivo fascinado pelas estruturas da linguagem e as formas de racionalidade humana, escreveu no seu livro Estados Canallas. El imperio de la fuerza en los asuntos mundiales (Cambridge, South End Press, 2000, Buenos Aires, Paidos, 2001) que a rebelião colombiana não é um bando de criminosos, sequestradores, bandidos e foragidos e, muito menos, uma "narco-guerrilha terrorista" sem ideologia. Também o vão marcar e identificar como "apologista das FARC"? Também o vão ameaçar? Vão fotografar a sua casa nos Estados Unidos?
Quando ouvi que esses militares, policias e aparelhos de espionagem me assinalam com nome, apelido e fotografias,tenho problemas para dormir. Mentiria se dissesse que não tenho medo. Seria uma bravata tola. Só alguém delirante pode não ficar amarrado ao princípio da realidade. Se querem gerar o medo, conseguem-no. A questão é o que nós fazemos com os nossos medos. Submetemo-nos? Anulamo-nos como sujeitos? Deixamos de ser quem somos? Deixamos de escrever? Deixamos as aulas de educação política? Calamo-nos contra o terrorismo de Estado?
Max Horkheimer disse: "A lealdade à filosofia significa não deixar que o medo diminua a nossa capacidade de pensar." E tinha razão. Até hoje ele está certo. Hegel, outro gigante do pensamento, na sua Fenomenologia do Espírito escreveu: "Só se a vida estiver em jogo, se conserva a liberdade." E o nosso amado Rodolfo Walsh fechava a sua carta aos imundos assassinos, terroristas de estado,  "sem esperança de ser ouvido, com a certeza de ser perseguido, mas fiel ao compromisso que há muito tempo assumi de testemunhar em tempos difíceis." Pela mesma época de Rodolfo Walsh, em plena ditadura militar de Videla, o meu pai foi ameaçado de morte, teve que sair de casa e andar escondido. Nunca deixou de ser quem era. Não podiam com ele.
Portanto, não deixaremos de fazer o que fazemos. Continuaremos estudando e escrevendo, continuaremos com as aulas itinerantes de formação política, não deixaremos de investigar e denunciar os crimes de terrorismo de Estado.
Buenos Aires, 24 de Maio de 2013”

(*) Néstor Kohan é um jóvem   filósofo, profesor e argentino. Publicou  livros sobre  o pensamento de Marx e  sobre o  marxismo argentino e latinoamericano.  
Este texto nos leva a reflexão sobre os últimos acontecimentos iniciados com o Movimento Passe Livre onde a direita se aproveitou para tentar um golpe contra Dilma. Sou comunista e jamais vou me deixar levar por propostas evasivas e fascistas. Alguns comunistas e esquerdistas equivocados estão com um discurso idêntico aos fascistas, aos golpistas; se esquecem por ingenuidade(?), por burrice, por oportunismo ou por estar a serviço da direita - por que não?, descobrimos que dirigentes comunistas ´foram instrumentalizados pela direita para entregar, delatar camaradas,como é o caso de Givaldo Siqueira- que na hora do golpe os maiores perseguidos serão os comunistas, não Lula, Dilma e outros petistas. Ou nos unimos, arregimentamos forças de esquerda, inclusive do PT, descontentes com os rumos do país, para mudar esse jogo, ou sucumbiremos todos juntos. Sempre digo que o nosso inimigo não é o PT,tampouco Lula ou Dilma; quem assim pensa está muito equivocado, enganado ou mal intencionado! Corro esse risco de errar. mais não faço coro com as viúvas, com as vivandeiras da ditadura! 

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