domingo, 22 de dezembro de 2013

O MARXISMO E OS INTELECTUAIS

A devastadora crise de civilização que hoje enfrentamos demonstra que o capitalismo não tem solução para os problemas da humanidade e terá de ser erradicado. Marx é, hoje como ontem, atualíssimo: ajuda a compreender o presente e abre as alamedas do futuro.
O renascimento do interesse por Marx e o marxismo é um fenômeno social e político de âmbito mundial, inseparável da consciência de que o capitalismo está condenado a desaparecer e que a única alternativa é o socialismo.
O livro de Eric Hobsbawm: «Como Mudar o Mundo - Marx e o Marxismo,1840-2011»,  publicado pouco antes do seu falecimento, é uma coletânea de ensaios, conferências e artigos escritos entre 1956 e 2009. Muitas das suas opiniões, contidas no livro, nomeadamente a reflexão sobre o desaparecimento da União Soviética e a agressão imperialista ao povo afegão, não estão em sintonia com o ideário comunista”. Segundo  Miguel Urbano Rodrigues  “o maior mérito de Hobsbawm é o balanço que apresenta do legado de Karl Marx e da sua profunda repercussão nos séculos XIX e XX e neste início do XXI. Tal como assinala no prefácio, «o marxismo foi durante os últimos 130 anos, um tema importante no contexto intelectual do mundo moderno e, através da mobilização de forças sociais, uma presença crucial, e em alguns períodos decisiva, na história do século XX”.
Lenin afirmou que sem teoria revolução alguma pode vencer e ter longa vida. Enunciou uma evidência confirmada pela História. Daí a importância dos intelectuais revolucionários como produtores e divulgadores de ideologia.
A obra de Marx, a começar  pelo Manifesto Comunista, não teria alcançado projeção mundial, cumprindo um papel insubstituível como guia para a ação revolucionária, se sucessivas gerações de intelectuais não a houvessem divulgado, transmitindo às massas uma nova compreensão da História, da economia, da política.
Mas, ao comentá-la e interpretá-la, muitos autores também a desfiguraram.
O livro de Hobsbawm contém uma informação densa e valiosa sobre a lenta divulgação de Marx ao longo da segunda metade do século XIX e das primeiras décadas do século XX.
O comunista português Miguel Urbano Rodrigues chama “a atenção para alguns aspetos da difusão do marxismo antes e depois da segunda guerra mundial e da influência que as posições assumidas por autores que comentaram e interpretaram Marx, deformando-lhe o pensamento, tiveram no rumo de partidos operários tradicionais e de grandes lutas sociais contemporâneas”.
Grandes intelectuais e escritores  se  interessaram   pelo marxismo, tais como:  HG Wells, Anatole France, Bernard Shaw, André Malraux, Aragon, entre outros, assumiram a defesa da União Soviética e, na Europa Ocidental e nos EUA, os debates sobre a obra de Marx ganharam atualidade. Três prêmios Nobel de Literatura, Aragon, Roger Martin du Gard e André Gide aderiram ao PCF- Partido Comunista Francês. Filósofos como Bertrand Russell e Jean Paul Sartre assumiram frontalmente a solidariedade com o povo soviético e os movimentos em defesa da Paz. Nas universidades, professores que não eram marxistas aderiram ao partido comunista.
Para muitos intelectuais, a URSS, na qual durante décadas viam a pátria do socialismo, o país que construíra uma sociedade símbolo do progresso e do humanismo, tornou-se, no auge de campanhas anticomunistas, a imagem da tirania e da desumanização da vida.
Os livros de Gramsci, até então pouco conhecidos fora da Itália, conhecem difusão mundial, extravasando dos meios acadêmicos. Mas a leitura da “mensagem” da obra do autor dos «Cadernos do Cárcere» difere muito, mesmo no âmbito dos Partidos Comunistas do Ocidente.
 Miguel Urbano Rodrigues reitera que “ a própria teoria da Hegemonia – a dominação da cultura de uma classe sobre o conjunto da sociedade - foi submetida a múltiplas interpretações, algumas incompatíveis. Em França, na Itália, em Espanha, gramscianos entusiastas utilizaram-na para desvalorizar a luta de classes. Desvirtuado, Gramsci, um marxista original - inclusive um «leninista» na polêmica opinião de Hobsbawm - foi bandeira do eurocomunismo. No Brasil e em Cuba destacados comunistas também o invocaram, distorcendo-lhe o pensamento”.
Até textos de Che Guevara também foram utilizados, com freqüência e má-fé, por intelectuais , deturpando-lhe o pensamento, assumindo-se como marxistas, que utilizaram o eurocomunismo como alavanca de combate à União Soviética.
O histórico comunista Rodrigues ressalta ainda que “dirigentes e acadêmicos dos partidos comunistas da França e da Itália que aderiram desde o início à perestroika não hesitaram em glorificar Gorbatchov e acompanharam com entusiasmo o processo de destruição da União Soviética. Das críticas a Stalin passaram rapidamente à crítica de Lenin”.
Os livros de Marx voltam a ser amplamente editados e debatidos. “O Capital”, entretanto, foi tratado como se fosse quase uma obra de epistemologia. Segundo Hobsbawm, “a pesquisa e a análise do mundo real esconderam-se atrás do exame generalizado das suas estruturas e mecanismos, ou até atrás da investigação ainda mais genérica de como ele devia ser apreendido. Os teóricos eram tentados a passar de um exame dos problemas e perspectivas específicos de sociedades reais para um debate sobre a «articulação» dos «modos de produção» em geral”.
O desaparecimento da União Soviética - uma tragédia para a Humanidade, festejada no Ocidente como vitória histórica da democracia - atuou como terremoto em partidos comunistas que já tinham optado por um reformismo transparente. Muitos dirigentes apressaram-se a renegar o marxismo. Entre os intelectuais a debandada foi imediata; alguns invocaram a revolução técnico-científica para romper com o passado de comunistas.
O marxismo foi varrido das universidades e das livrarias.
Nos EUA, Francis Fukuyama,um funcionário do Departamento de Estado, anunciou com alegria o «Fim da História», a morte do comunismo e a vitória do neoliberalismo como a ideologia para a eternidade.
A profecia foi, porém, rapidamente desmentida.
Marx volta hoje a ser editado, lido e o seu pensamento e obra debatidos. Na Europa, na América, na Ásia, na África, Congressos e Seminários Internacionais são promovidos para o recordar e estudar. Em Paris Jean Salem promove na Sorbonne desde 2005 um Seminário semanal sobre «Marxismo no século XXI» em que participam em média 200 pessoas e que é acompanhado na Internet por dezenas de milhares.
O «Manifesto Comunista» é reeditado em dezenas de países, tal como as obras de Marx e Engels.
Como as causas que estão na origem das grandes revoluções não desapareceram e a crise do capitalismo se tornou estrutural, o renascer do interesse pelo marxismo é hoje uma realidade, não obstante a perda de influência dos partidos comunistas.
A cada ano aumenta o número de Congressos e Seminários Internacionais dedicados a Marx e à sua obra. Essas iniciativas mobilizam, porém, intelectuais que se situam em quadrantes ideológicos muito diferentes. Era inevitável. Emmanuel Wallerstein criou a expressão «os mil marxismos» em comentário a essa heterogeneidade.
Muitos marxianos interessam-se por Marx numa perspectiva exclusivamente acadêmica. Outros, embora afirmando a necessidade da luta contra o capitalismo e o imperialismo, concentram-se apenas em questões teóricas, distanciados de qualquer tipo de militância em organizações políticas. Tornaram-se, tão somente, marxólogos. Ignoram a práxis. Fazem da releitura, do estudo das obras de Marx, Engels e Lenin um instrumento para galgar status e créditos acadêmicos em suas universidades.
Esses acadêmicos, expressam uma grande admiração pela contribuição do filósofo Henri Lefèbvre ,como eminente marxista, que de acordo com Miguel Urbano Rodrigues, « (...) nunca entrou numa fábrica, temo que nunca tenha falado com um operário».
O renascimento do interesse por Marx e o marxismo é um fenômeno social e político de âmbito mundial, inseparável da consciência de que o capitalismo está condenado a desaparecer e que a única alternativa é o socialismo.
Reler os clássicos do marxismo, sobretudo Marx, tornou-se uma exigência das grandes lutas da humanidade contemporânea. É uma grande arma para preparar o futuro.

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