sábado, 30 de agosto de 2014

TRANSGENICOS PARA QUEM?(4)




Promessas não cumpridas pelo determinismo

Para ilustrar quão eficiente é o uso de estratégias reducionistas/determinísticas na solução de problemas complexos, serão abordados dois exemplos.

A promessa de cura da fibrose cística foi feita em 8 de setembro de 1989, quando cientistas “descobriram” o gene que causaria esta doença. Tal feito, contemplado com três artigos científicos, mereceu também a capa da Revista Science (v. 245, n. 4922, 1989), considerada uma das mais respeitadas do mundo. No vigésimo aniversário desta promessa, um novo artigo na mesma revista Science faz um balanço da evolução do conhecimento sobre a doença (Science, 19 jun. 2009, p. 1504-1507). Mesmo após muito trabalho, nem mesmo uma única terapia baseada no gene da fibrose cística, descoberto 20 anos antes, alcançou o mercado. Alguns tratamentos promissores na visão dos cientistas, especialmente os de terapia gênica, demonstraram ser extremamente desencorajadores.

 O esforço de cientistas que procuraram aplicar a terapia genética conseguiu resposta em apenas 1% das células provocadas.

O artigo da Science (2009) ilustra ainda que distintas pessoas com uma mesma mutação para a doença apresentavam sintomas diferentes. Mais do que isso, estima-se que mais de 1.500 tipos de mutações diferentes podem causar a mesma doença. Além disso, outros genes que igualmente produzem os mesmos sintomas foram descobertos, bem como a associação com outras doenças.

O fato de ter ocorrido um conjunto significativo de avanços científicos com a fibrose cística tem dois significados principais.

O primeiro é o de que não é possível generalizar: uma doença um gene. Segundo, em biologia as interações são uma regra e a complexidade, e não a simplificação, embora difícil de ser estudada, deve ser tomada como premissa básica.

Apostar no reducionismo/determinismo genético leva a outras consequências dramáticas, inclusive de natureza econômica. Na última semana de novembro, tanto a Science (v. 326, p. 1172, 2009) como a Nature (v. 462, p. 401, 2009) e os principais jornais internacionais reportaram a falência da empresa deCODE Genetics Inc., criada em 2003 para procurar mutações causadoras de doenças em humanos, usando a população da Islândia como base de estudos. Seis anos depois, nenhum produto havia sido comercializado. O fracasso da empresa sugere que a promessa de aplicações médicas para o genoma humano está levando mais tempo do que seus patrocinadores esperavam.

Porém, independentemente de qualquer erro da deCODE em sua estratégia de negócios, a principal razão para sua derrocada foi científica − a natureza genética de doenças acabou se revelando muito mais complexa do que se imaginava.

Na verdade, muitos pensadores biólogos têm alertado sistematicamente a respeito da inadequação de estratégias reducionistas na abordagem de doenças em humanos (ex.: LEWONTIN, 2000), já que pouquíssimas dessas doenças têm base puramente mendeliana2 (JABLONKA e LAMB, 2006).

A outra promessa foi o aumento de rendimento e de produção para diminuir a fome do mundo, feita nos anos 1990, como uma das justificativas para o uso da engenharia genética no desenvolvimento de plantas transgênicas. Decorridos 15 anos desde os primeiros cultivos com plantas transgênicas a situação da fome no mundo agravou-se. O número de pessoas com fome, no mundo, passou de 850 para 925 milhões em 2007, comparativamente ao período 2003-2005 (FAO, 2008). E o número de famintos está aumentando, pois a FAO estimava que esse número alcançaria a cifra de 1.020 milhões em 2009. Transformar um problema complexo caracterizado por muitos fatores – como acesso, distribuição, custo ou mesmo preferência de alimentos − em um ou dois genes inseridos em plantas não poderia chegar a outro resultado que não o fracasso no cumprimento da promessa.

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