segunda-feira, 22 de setembro de 2014

AS CAUSAS DO DESESPERO DE OBAMA


 
 Três fatos que explicam a importância do petróleo na crise no Iraque
Brad Plumer
 
Desde há meses, militantes sunitas do Estado Islâmico (mais conhecido por ISIS) detêm o controlo de vastas áreas do Iraque.
Mas foi só quando penetraram em território curdo semi-autônomo e próximo de Erbil, a capital curda (uma cidade rica em petróleo, onde estão várias companhias ocidentais, como a Chevron e a ExonMobil), que a administração Obama decidiu autorizar ataques aéreos contra o ISIS.
O momento tão oportuno já levou alguns comentadores a sugerir que a actual intervenção dos EUA apenas tem que ver com o petróleo. Talvez seja um exagero; ela parece ter uma diversidade de objectivos, tais como proteger mais amplamente os curdos e impedir o ISIS de massacrar os Yazidis iraquianos. Mas seria também errado assumir que o petróleo é totalmente irrelevante no que toca à crise no Iraque, considerando o largo espectro da questão.
O Iraque é actualmente o sétimo maior produtor de petróleo do mundo, extraindo cerca de 3,3 milhões de barris por dia, dados de Abril. E o Curdistão é responsável por cerca de 10% dessa produção. Portanto, o ISIS está a ameaçar um dos produtores essenciais. Entretanto, as disputas sobre como repartir os rendimentos do petróleo do Curdistão representam um factor significativo nos intermináveis impasses políticos no Iraque. E a Administração Obama envolveu-se num combate para resolver se o Curdistão deverá poder vender o seu petróleo directamente nos mercados mundiais.
Aqui fica uma relação dos três factos que explicam a importância do petróleo na actual crise no Iraque:
1) O Curdistão é um dos maiores produtores de petróleo; e o ISIS constitui uma ameaça
 
A região curda do Iraque (onde vivem 5 milhões de curdos) é parcialmente independente desde a Guerra do Golfo de 1991, com o seu próprio governo e exército (os peshmerga). Mas só se tornou uma grande região produtora de petróleo depois da invasão do Iraque liderada pelos EUA, em 2003.
A região tem dois vastos campos de petróleo em particular (Taq Taq e Tawke), pouco considerados até 2004; também há o gigantesco campo de petróleo em Kirkuk, embora a cidade seja objecto de disputa entre os curdos e outros grupos étnicos no Iraque. Em anos recentes, contudo, os investidores estrangeiros passaram-se para o Curdistão, atraídos pelas vastas reservas da região e pela sua relativa estabilidade.
Estes investimentos começavam agora a ter retorno. Em Junho deste ano, o Curdistão iraquiano produzia 360 000 barris por dia, cerca de 10% da produção iraquiana (e cerca de 0,5% do fornecimento mundial). E muito mais se esperava. Num telegrama de 2009 do Departamento de Estado interceptado pelo Wikileaks, uma firma estrangeira disse que o Curdistão “tem o potencial para ser uma região de hidrocarbonetos de referência mundial.”
No entanto, o ISIS representava uma ameaça (parcial) a esse incremento, quando apareceu nos arredores de Erbil, uma cidade de 1,5 milhão de habitantes, onde estão sediadas muitas das companhias de petróleo e de gás na região curda. A 8 de Agosto, a Reuters relatou que cerca de 5 000
barris por dia haviam saído do circuito no Curdistão como resultado dos confrontos. Muitas firmas de petróleo, incluindo a Chevron, referiram que retirariam parte do pessoal não essencial da região.
Até agora, os problemas têm sido menores, em particular desde que os EUA lançaram ataques aéreos contra o ISIS que permitiram ao exército curdo recuperar algumas cidades. O governo regional curdo insiste agora que a “produção de petróleo na região não foi afectada”.
O ISIS, por seu turno, tem claramente interesse em apoderar-se dos campos de petróleo. Alegadamente, o grupo controla sete campos de petróleo e duas refinarias no norte do Iraque, assim como parte de um oleoduto que se estende de Kirkuk à cidade portuária de Ceyhan na Turquia. Os relatórios sugeriram que o ISIS está a vender cerca de 10 000 barris de petróleo por dia para financiar as suas actividades.
Vale também a pena notar que a grande maioria da produção de crude no Iraque não foi até agora afectada. O mapa abaixo mostra a infra-estrutura do petróleo iraquiano. Se compararmos com o mapa acima, notaremos que o ISIS não está próximo de nenhum dos maiores campos de petróleo das regiões do sul do Iraque, que constituem 75% do crude do país. E não está próximo dos grandes campos de petróleo curdos de Tawke ou Taq Taq.
A infra-estrutura do petróleo iraquiano (Energy-pedia)
Ainda assim, muitos observadores do petróleo contavam com o Iraque para impulsionar a produção nos anos vindouros, para ajudar a suprir uma procura mundial sempre crescente. A violência na região torna estas expectativas consideravelmente mais incertas.
 
2) Os EUA não deixam o Curdistão vender o seu petróleo directamente – uma fonte de problemas
 
Um empregado a trabalhar no campo de petróleo de Tawke, perto da cidade de Zacho, a 31 de Maio de 2009, na provincia de Dohuk, cerca de 400 km a norte de Baghdad. (Muhannad Fala'ah/Getty Images)
Teoricamente, todas as vendas de petróleo no Iraque deveriam ser geridas pelo governo central em Baghdad, que depois divide as receitas pelas várias regiões, de acordo com um acordo existente.
Recentemente, contudo, o Curdistão iraquiano tem tentado vender maior quantidade de petróleo directamente a outros países, sem passar inteiramente pelo governo central. Porquê? As autoridades curdas afirmam que o governo central não tem enviado ao Curdistão a sua parte prometida correspondente a 17% das receitas do petróleo.
O Curdistão exporta agora cerca de um terço do seu petróleo por oleoduto para a Turquia, e tem tentado vender algum desse petróleo directamente, com grande desconto. (Um relatório recente do Serviço de Investigação do Congresso argumenta que a Turquia está a ajudar com os transportes a manter boas relações com o Curdistão iraquiano e ajudar a mitigar o longo conflito com a sua própria comunidade curda.)
Os EUA, por seu turno, opõem-se oficialmente às vendas directas de petróleo ao estrangeiro, por parte do Curdistão. Do seu ponto de vista, estas acções minam a unidade do povo iraquiano, representam passos no sentido da independência curda e ameaçam dividir ainda mais o país. “Os recursos energéticos do Iraque pertencem a todos os Iraquianos”, afirmou no Tweeter Brett McGurk, vice-secretário de estado adjunto norte-americano para os assuntos do Médio Oriente, no passado 30 de Julho.
O impasse torna-se cada vez mais complexo. Há atualmente um petroleiro com um milhão de barris de petróleo curdo parado a cerca de 80 km de Houston que não pode descarregar o seu crude. O Washington Post relata que o Departamento de Estado têm avisado discretamente os potenciais compradores do petróleo curdo de que poderão enfrentar “sérios riscos legais”.
Entretanto, há uma pressão crescente sobre a Administração Obama para permitir a venda directa, sobretudo agora que os curdos estão sob o cerco do ISIS e o governo central se recusa a enviar reservas de petróleo. No Congresso, o Republicano Adam Schiff (Califórnia) pediu à Administração que alterasse a posição: “Se o governo iraquiano não prosseguir o apoio financeiro devido aos curdos, devemos pôr termo à nossa resistência à venda directa do petróleo curdo.”
3) O Petróleo é também um factor preponderante no debate sobre quem controla Kirkuk
 
Para tornar as coisas ainda mais complicadas, existe desde há muito uma disputa no Iraque sobre quem controla Kirkuk, uma cidade de uns 400 000 habitantes, situada na fronteira entre a região curda e o resto do Iraque. Kirkuk fica também próxima de um gigantesco campo de petróleo que contém uns estimados 10 mil milhões de barris de crude.
As disputas sobre Kirkuk prolongam-se há mais de um século. A cidade é há muito tempo habitada por curdos, turquemenos, assírios e árabes, cada um destes povos com direitos históricos sobre a região (os curdos argumentam que Kirkuk é a sua capital por direito próprio desde o século XVIII).
Mas a descoberta de petróleo perto de Kirkuk nos anos 1920 aumentou consideravelmente o interesse. Nos anos 1970, os curdos declararam pretensões formais sobre os vastos campos de petróleo de Kirkuk. O governo iraquiano encarou isso como um acto como um acto de guerra e respondeu com uma política de “arabização”; como precisou a Human Rights Watch, o governo expulsou centenas de milhares de curdos e assírios da cidade e reinstalou famílias árabes no local.
Desde a invasão do Iraque pelos EUA em 2003, aconteceu o oposto. Milhares de curdos desalojados regressaram a Kirkuk, o que coloca novas questões sobre quem deve governar a cidade. Um referendo sobre se Kirkuk deve fazer parte do Curdistão tem sido regularmente colocado e protelado desde 2007. Escusado será dizer que o governo central iraquiano não está preparado para entregar a cidade.
A disputa deu outro passo arriscado neste Verão. À medida que o ISIS expandia o seu controlo sobre o Iraque, as forças turcas dos peshmerga começaram a extrair petróleo dos campos de Kirkuk (também em desafio ao governo central iraquiano), dando aos curdos o controlo real não apenas do petróleo mas também da própria cidade. Ainda não é claro como é que isto se irá desenrolar, mas é mais um foco potencial de violência e controvérsia alimentado pelo petróleo.

Tradução de André Rodrigues

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