quarta-feira, 23 de julho de 2014

PORTUGAL: O QUE DIZ O EMBAIXADOR DA palestina


A justiça é a melhor retaliação

Hikmat Ajjuri*

23.Jul.14 ::

Publicamos este texto do Embaixador da Palestina no nosso país. Publicado há apenas 5 dias num jornal diário, os números que refere das vítimas da presente ofensiva israelita estão já distantes da realidade actual. Há dois dias o número de mortos ultrapassava o meio milhar, 75% dos quais civis. Em cada 5 mortos, um é uma criança. A barbaridade do massacre perpetrado pela nova ofensiva do exército sionista não conhece limites. O país que tanto evoca a “solução final” hitleriana de que o seu povo foi alvo age como se a “solução final” para a situação na Palestina residisse no genocídio do povo palestiniano, que leva a cabo com a cumplicidade e o apoio do imperialismo. É necessária a mais combativa solidariedade com o povo palestiniano, é urgente deter a acção criminosa de um Estado racista, fascizante e terrorista cuja impunidade constitui uma afronta aos povos de todo o mundo.


Imagens terríveis chegam de Gaza todos os dias desde que Israel começou o genocídio de palestinianos na Faixa de Gaza. Partes de corpos humanos, cabeças divididas a meio, mãe morta com filho bebé abraçados e famílias inteiras enterradas sob os telhados depois de terem sido bombardeadas pelos aviões militares israelitas, navios de guerra e tanques.
Esta desproporcionalidade da força israelita é, só por si, um crime de guerra, de acordo com a lei da guerra. Se estes crimes tivessem sido perpetrados por qualquer outra força que não a da ocupação israelita, não há dúvida de que a reacção da comunidade internacional teria sido obviamente diferente.
Neste contexto, emergem duas questões legítimas. A primeira é: poderá alguém, com senso de humanidade, justificar este genocídio em Gaza às mãos do ocupante contra o ocupado? A segunda é: não será este assassinato constante dos palestinianos inocentes – enfrentado por um silêncio vergonhoso da comunidade internacional em favor de Israel – o que terá alimentado a criação do radicalismo islâmico?
Ironicamente, os Estados Unidos, e os seus aliados que aceitam a mentira israelita da autodefesa, já no passado tinham pago um preço muito caro, não apenas com o dinheiro dos seus contribuintes, mas também com as vidas dos seus jovens soldados, a fim de proteger o Direito Internacional e combater o terror. Desde o acordo de Oslo, Israel realizou muitas ofensivas desproporcionadas e destrutivas com impunidade, contra os palestinianos sob a ocupação, propositadamente para proteger a sua natureza racial e a sua ocupação, e não para se autodefender.
Um analista político israelita de renome argumentou num artigo publicado no Ha’aretz em Julho de 2006: “Se os habitantes de Gaza estivessem sentados em silêncio, como Israel esperava que o fizessem, o seu caso iria desaparecer da agenda - [aqui] e em todo o mundo. Israel vai continuar com a convergência, que é utilizada apenas para servir os seus objectivos, ignorando as necessidades deles. Ninguém teria dado qualquer atenção ao destino do povo de Gaza, se eles não tivessem reagido violentamente. Está é uma verdade muito amarga, mas os primeiros 20 anos de ocupação passaram tranquilamente e nós não levantámos um dedo para acabar com a mesma. Em vez disso, sob a cobertura da calma, construímos um enorme empreendimento de colonização criminal. Com as nossas próprias mãos estamos agora, mais uma vez, a empurrar os palestinianos para utilizarem as suas armas banais e, em resposta, empregamos quase todo o enorme arsenal que está à nossa disposição, e continuamos a queixar-nos: “Foram eles que começaram.”
Felicito a iniciativa egípcia para o cessar-fogo – como fiz há dois anos – como meio para acabar com este crime de Israel e para salvar vidas de civis. O bombardeamento israelita das casas de Gaza e da sua infraestrutura resultou na morte de 205 civis, 1500 feridos, cuja esmagadora maioria eram civis inocentes, e 600 casas bombardeadas e destruídas completamente.
Isto dá-me coragem de dizer que um cessar-fogo, sem qualquer solução política, será apenas um time-out para mais uma ofensiva israelita a fim de restaurar a invencibilidade do seu Exército, porque Israel tem vindo a escolher sobreviver através do ataque e da intimidação dos seus vizinhos, uma vez que considera isto necessário para satisfazer as suas necessidades políticas e sociais nacionais. Isto explica por que Israel continuou a ignorar as dezenas de resoluções da ONU, que pedem para retirar as forças israelitas dos territórios ocupados e para congelar a mudança de factos no terreno, como a construção de colonatos e a transferência dos seus colonos para viverem, ilegalmente, lá.
Israel levou as suas acções ilegais, com impunidade, muito longe, resultando no apoio norte-americano incondicional. Até agora, os Estados Unidos têm exercido o seu direito de veto 42 vezes, a fim de proteger Israel e as suas acções ilegais. A paz é preciosa demais para ser deixada nas mãos da liderança política israelita, que simplesmente se preocupa muito mais com eleições do que com as gerações futuras. Todas as ofensivas anteriores realizadas contra o povo da Plaestina e do Líbano foram numa altura próxima de eleições gerais israelitas.
Está na hora de a comunidade internacional perceber que a justiça é a melhor “retaliação” para os palestinianos que apelaram constantemente para a liberdade política do cativeiro e escravidão da única ocupação militar remanescente na face do globo nos dias de hoje: a ocupação israelita do Estado da Palestina. As negociações com base nas condições actuais de “pegar ou largar” nunca vão resultar numa solução pacífica na Terra Santa.
Todos nós, palestinianos, incluindo o Hamas, aspiramos viver com dignidade no nosso próprio país soberano, lado a lado com o Estado de Israel. É dever da comunidade internacional impor a solução de dois Estados que defende. Caso contrário, o radicalismo, com as suas ferramentas destrutivas, será a única língua falada no Médio Oriente e, com certeza, além.
*Embaixador da Palestina em Portugal
Artigo publicado no “Público” 18.07.2014

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